Os inocentes
Ricardo Salgado usou a táctica do costume: nada aconteceu em resultado das suas acções e tudo se teria resolvido se outras entidades (Banco de Portugal e governo) não lhe tivessem tirado o tapete (o primeiro exigindo a constituição de provisões para as «imparidades» e a saída da família das posições de controlo; o segundo recusando emprestar-lhe uns milhares de milhões de euros). Lembrou-me outros casos. O BPN. O BPP. O BCP. A PT. O PEC IV (ou o processo que a ele conduziu). E, na verdade, também o comportamento de muita gente anónima após acidentes de automóvel mas não vale a pena misturar universos; fiquemos pela «elite» do país. Caso após caso, nunca ninguém assume responsabilidades pela trampa produzida porque, obviamente, não aceita tê-la produzido. Caso após caso, tudo sucedeu em resultado de uma alteração abrupta de circunstâncias («o mundo mudou muito nos últimos quinze dias») e/ou de actos ilícitos de uma personagem menor (no caso do GES, o contabilista da parte não financeira). Mais importante: a solução existia, estava mesmo ali, preparadinha, reluzente, como um presente de Natal cuja abertura despoleta a exclamação sincera: «Uau, era mesmo isto!», e só não foi implementada porque alguém, por incompetência ou interesse, não deixou.
Enfim. Ricardo Salgado tem pelo menos uma vantagem sobre a maioria dos outros banqueiros envolvidos em casos de gestão ruinosa e em particular sobre Sócrates: parece menos arrogante e é incomensuravelmente menos histriónico. Para quem dispensa exibições alarves de testosterona (há um número significativo de criaturas a quem elas causam afogueamento e pernas bambas), sempre vale alguma coisa. De resto, a trampa é a mesma.