Os "indignados" são "fascistas"
Anadaram anos a proclamar: "Todos na rua". Elogiando, entre exclamações de júbilo, as grandes manifestações populares de "indignados" no Brasil e na Turquia, por exemplo. Já sem falar em Portugal. Porque "é na rua que se consegue mudar a realidade".
No entanto, agora que o povo desceu à rua na Ucrânia já não há gritos de incentivo à insurreição geral. Pelo contrário, reina por ali o temor de que os protestos em Kiev sejam "aproveitados pelas grandes potências para instaurar um regime autoritário piloto na Ucrânia".
Nuns quadrantes, o povo na rua é genuinamente "indignado". Mas na Ucrânia é "fascista". Devia ter ficado em casa em vez de sair à rua. "Quem está a apoiar as milícias fascistas?", interroga-se um temeroso João Labrincha no 5 Dias, que por estes dias está irreconhecível. Chega-se ali ao ponto de haver quem se arrepie por ter visto "manifestantes a dar na polícia" em Kiev. Pela mesma voz que há poucos meses bradava de indignação contra a "força desproporcional" da polícia em Lisboa.
Nas caixas de comentários daquele blogue, vai-se ainda mais longe. Com um horror quase patológico de ver o povo na rua, escreve alguém: "O que se está a passar na Ucrânia faz parte dos objectivos do domínio global por parte do imperialismo. Nada a ver com direitos humanos, democracia ou coisa que se pareça."
Assim se atinge o patamar supremo do cinismo em matéria de opiniões políticas: chamar-se "indignados" a quem protesta nuns países e "fascistas" a quem protesta noutros, consoante conveniências ideológicas ou de trincheira.
Quem assim procede parece que nunca leu Brecht, que tem uns versos aplicáveis à situação actual da Ucrânia: "O povo perdeu a confiança do governo / E só à custa de esforços redobrados / Poderá recuperá-la. Mas não seria / Mais simples para o governo / Dissolver o povo / E eleger outro?"