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Delito de Opinião

Os fins não justificam os meios

Pedro Correia, 03.01.20

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Neste tempo em que as modas florescem e falecem a uma velocidade estonteante, poucos escritores assistem a uma glória póstuma semelhante à de Albert Camus. Na véspera de ser assinalado o 60.º aniversário da sua trágica morte, num brutal acidente rodoviário, continuam a multiplicar-se os estudos literários e biográficos em torno do vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 1957, de quem Jean-Paul Sartre - seu amigo antes do tão propalado corte de relações entre ambos, em 1952, por divergências políticas - dizia escrever «demasiado bem».

 

Militante comunista em 1934, na sua Argélia natal, de pai operário e mãe analfabeta, Camus rompeu com o marxismo ao tomar conhecimento dos crimes de Estaline. Ao contrário de Sartre, e remando contra os postulados de Marx, rejeitou o conceito de "violência progressista" insurgindo-se contra os totalitarismos de todos os matizes e o terrorismo como forma de acção política com o mesmo vigor com que, enquanto jovem jornalista, se indignara contra a exploração colonial nas páginas do Alger Républicain com uma série de reportagens sobre a Cabília que deixaram rasto.

Ficou célebre a sua declaração proferida em 1957 na Suécia, quando ali se deslocou para receber o Nobel: «Neste momento, lançam-se bombas sobre os eléctricos em Argel. A minha mãe poderá ir num desses eléctricos. Se isso é a justiça, prefiro a minha mãe.» As bombas da Frente de Libertação Nacional, que se opunha ao domínio colonial francês, eram a seu ver tão injustificadas como os tiros mortais contra os dispersos soldados alemães que restavam em Paris após a Libertação, em Agosto de 1944. «Uma vez mais, a Justiça tem de ser comprada com o sangue dos homens», protestou num célebre editorial do Combat. Eis um tema recorrente na sua obra literária e jornalística: os fins não justificam os meios.

 

Camus está na moda - o que não deixa de ser irónico, pois ele definia o intelectual como «um homem que sabe resistir à moda dos tempos». A explicação para o irresistível fascínio que a sua obra exerce sobre as gerações mais jovens pode ser encontrada no inesquecível obituário que Sartre lhe dedicou no France-Observateur, a 7 de Janeiro de 1960: «O seu humanismo teimoso, estreito e puro, austero e sensual, travava um combate incerto contra os acontecimentos maciços e disformes deste tempo. Mas, inversamente, pela espontaneidade das suas recusas, reafirmava, no coração da nossa época, contra os maquiavelismos, contra o bezerro de ouro do realismo, a existência do facto moral».

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