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Delito de Opinião

Os filmes da minha vida (48)

Pedro Correia, 26.04.15

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Kay Adams (Diane Keaton) e Michael Corleone (Al Pacino) em O Padrinho (1972)

 

O MITO É O NADA QUE É TUDO:

NOS 75 ANOS DE AL PACINO

É uma das cenas mais inesquecíveis do cinema - do tempo em que o cinema ainda não havia sido destronado, como forma de expressão artística, pela excelente televisão dos nossos dias.

Ele e ela estão sentados a uma mesa. Ele acaba de vir da guerra, aparece de uniforme a conferir-lhe dimensão de herói: é Michael Corleone (Al Pacino). Ela, naquela hora irrepetível do esplendor na relva, é a noiva dele, Kay Adams (Diane Keaton).

Percebemos que o diálogo que travam terá consequências irreparáveis na vida de ambos.

 

Ela, com o sexto sentido a alertá-la para um final infeliz, despeja-lhe todo um cardápio de dúvidas - visando-o menos a ele do que ao poderoso clã familiar no qual está prestes a entrar como esposa e nora, consciente de que dará um passo do qual talvez venha a arrepender-se para sempre.

Ele, com um sopro de inocência insuflado no olhar, procura atenuar-lhe os receios com todos os recursos estilísticos de que a eloquência masculina é capaz perante uma mulher apaixonada. Assegura-lhe ser diferente dos restantes Corleones. Ilude-a ao proclamar que não foi em vão que combateu pela pátria, como o mais decente dos cidadãos faria. Faz-lhe promessas que não tardarão a ser quebradas, cumprindo um ritual atávico da velha Sicília que lhe sulca os genes.

O destino irá desmentir-lhe as palavras com precário prazo de validade, sinceras apenas no momento preciso em que são pronunciadas. Mas Kay acredita nelas. E todos nós, que assistimos àquele diálogo como testemunhas privilegiadas, acreditamos igualmente nelas. Porque a mentira em arte é verdade também.

Haja o que houver, aconteça o que acontecer, jamais esqueceremos aquele último lampejo de inocência no olhar de Michael Corleone no primeiro tomo da trilogia d' O Padrinho, realizada por Francis Ford Coppola. Um filme que vale por uma sinfonia de Beethoven, uma partitura de Brahms, um drama de Ibsen, uma tela de Goya. Do tempo em que o cinema não se envergonhava de ser arte.

 

Al Pacino é um dos raros actores que conferem genialidade interpretativa a um simples olhar. Já era assim em 1972, quando pela primeira vez deu vida e voz à figura de Michael Corleone. Sem esgares, sem truques histriónicos, sem gestos desmesurados. Aproveitando cada pausa, cada silêncio, cada momento aparentemente morto para melhor compor a personagem. Como é próprio de um grande intérprete.

E continua assim aos 75 anos, cumpridos ontem. A trabalhar. Porque um verdadeiro actor nunca se reforma. Porque um verdadeiro actor sabe melhor que ninguém como são autênticos, na pele e na carne, aqueles imortais versos de Pessoa: "O mito é o nada que é tudo".

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