Os deuses vendem quando dão
Ao ler a autobiografia de Ava Gardner, uma das mais deslumbrantes actrizes de que há memória, de novo me assaltou a sensação de que estas mulheres idolatradas por milhões em todo o mundo são perseguidas por uma sina fatídica: estão condenadas a morrer na solidão.
Foi assim com Ava, que esteve casada com três celebridades do espectáculo: Mickey Rooney, Artie Shaw e Frank Sinatra. Todos os ex-maridos lhe sobreviveram. Ela morreu no seu apartamento londrino a 25 de Janeiro de 1990, aos 67 anos, acompanhada apenas por uma velha empregada e pelo cão.
Mas foi assim também com Marilyn Monroe, Greta Garbo, Marlene Dietrich, Maria Callas, Carmen Miranda, Amália Rodrigues. Mulheres aplaudidas e celebradas por legiões de admiradores que seduziram quando estavam sob as luzes da ribalta mas que arrastavam consigo uma estranha maldição. Como se o reverso da fama que a dado momento as projectou para a imortalidade fosse o fim amargo e solitário que tiveram.
Fernando Pessoa, que conhecia bem o que era a solidão, diz tudo nuns versos que são do melhor de sempre na língua portuguesa: «Os deuses vendem quando dão. / Compra-se a glória com desgraça.» Estas mulheres - e muitos homens - souberam isso bem de mais. Quando a porta se fechava, as luzes se apagavam e a euforia da festa chegava ao fim.