Os comentários da semana
«Foi a época da energia abundante ao preço da chuva, dos herdeiros do Infante D. Henrique, do Colombo e do Far West. Esse optimismo expirou por volta de 1970 com a divulgação do Relatório Meadows, conhecido erroneamente como relatório do clube de Roma (na verdade, foi produzido por malta do MIT a pedido do clube de Roma). É de notar que os redactores desse relatório não fizeram previsões para a evolução da sociedade, pois isso é impossível e eles sabiam-no muito bem. Eles estudaram cenários hipotéticos, o mais plausíveis à época.
A traço grosso, as conclusões do estudo desses cenários foram:
1- As modalidades de crescimento indefinido (demográfico, consumo energético e de matérias-primas) levam ao esgotamento irreversível dos recursos (energéticos, mas não só) não-renováveis (o que constitui uma conclusão evidente, uma mera tautologia) e a uma degradação prejudicial à produtividade dos ecossistemas resultante da poluição e sobre-exploração crescentes;
2 - Extrapolando a partir dos ritmos observados em 1970, o colapso do sistema seria de esperar, não para daqui a milénios, mas já em meados do século XXI (esta foi a surpresa, mas mesmo essa surpresa é indevida pois já no século XIX os ingleses estavam cientes da inevitabilidade do esgotamento do carvão extraído na Grã-Bretanha, e nisso foram corroborados durante o século XX).
Hoje toda a gente sabe isto, mesmo os que o negam. Consumimos mais do que o planeta produz (estamos a esgotar as nossas "poupanças no banco"), já passsámos o pico do petróleo convencional e, por issso, o rátio entre energia extraída e energia consumida durante a extracção é uma função monótona decrescente (e quando descer abaixo de um acaba o jogo).
O consumo de combustíveis fósseis estagnou na Europa já há uma década e é essencialmente por isso que o crescimento económico gripou. Quando o consumo de combustíveis atinge um planalto, o número de máquinas a trabalhar atinge outro que lhe corresponde (o padeiro já não tem espaço no forno para tirar mais croissants para alimentar mais) e a economia que roda à custa das máquinas estagna também. À estagnação seguem-se as narrativas apocalípticas.
Ah, resta-nos desvendar o enigma da esfinge: a criatura capaz de reconhecer a sua própria natureza quando ela lhe é ensinada, mas que soçobra presa de pulsões niilistas quando ela lhe é ocultada.»
Do nosso leitor Miguel. A propósito deste meu texto.
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«Cinquenta anos de optimismo e felicidade de plástico prometida nos spots publicitários. A crença absoluta no domínio do homem sobre a natureza. Tão desajustada quanto o entretenimento e a ficção sórdida que procura colmatar desejos de negritude e alegado realismo na vida dos derrotistas.
Uma população ocidental a viver grosso modo em melhores condições físicas do que há cinquenta anos - e uma opinião pública educada há décadas no facilitismo e na falta de juízo crítico. Não é de educação formal nem de erudição que falo; essa preocupa-me bastante menos, mas da falta de noção do comezinho. Da falta de consciência do peso de cada um na sociedade, da sua responsabilidade, das suas obrigações. Já que dos direitos a maioria dos cidadãos ocidentais parecem bastante conscientes. A desejável reivindicação de maior justiça social e respeito pelos direitos fundamentais foi desvirtuada e transformada em fonte inesgotável de egoísmos e bandeirinhas folclóricas. Conduziu também à necessidade de sempre culpar o outro, por total incapacidade de reconhecer a própria responsabilidade ou pela crença na inexistência de razões naturais e fortuitas – não assacáveis aos homens.
A ressaca do confronto com a realidade origina tremendas frustrações que conduzem a um chinfrim contestatário onde ninguém se entende, à falta de autoridade dos Estados, aos radicalismos e à proliferação dos distúrbios mentais – é uma maçada, mas nem sempre há outros disponíveis para o sacrifício, para assumirem a culpa que não é sua. Nem a natureza se comove (sempre) perante os caprichos humanos: igual a si própria dizima mais de três milhões de seres humanos de uma assentada, como se dissesse "presente, estou aqui" perante um mundo distraído entre contabilizar o número ou as razões aparentes para tantas mortes e o desejo de retoma à "normalidade" e às catadupas de slogans inconsequentes.
Da nossa leitora Isabel Paulos. A propósito deste meu texto.