Os charlatães
Somos invadidos, a ritmo crescente, por charlatães que invocam a ciência como patamar supremo de autoridade, sem admitir discussão. Quem ousar um esboço de dúvida é brindado com dois rótulos: fóbico ou negacionista. Desqualificações que põem logo fim a qualquer debate. Quem duvida das teses enunciadas é corrido a pontapé para o terreno pantanoso da patologia ou da equiparação moral aos que recusam a evidência do Holocausto nazi.
E no entanto, como sabemos, é precisamente com a dúvida que a ciência avança. Foi sempre no confronto com teses adversas que o ser humano deu os tais pequenos passos que geraram os grandes saltos da Humanidade - da descoberta do heliocentrismo à teoria da relatividade, da lei da gravidade terrestre à alunagem de Armstrong e Aldrin em Julho de 1969.
Os meios de comunicação de massas, privilegiando quem grita mais alto e é capaz de semear o pânico com maior desenvoltura, dão palco aos tais pantomineiros que invocam a ciência como pretexto para a berraria enquanto os cientistas verdadeiros ficam fora dos holofotes.
Todos recordamos as previsões do "apagão universal" que ocorreria no ano 2000 - a maldição milenar que já sobressaltara almas mais crentes no ano 1000 da nossa era, em suposta expiação de múltiplos pecados pessoais e colectivos. Quando os factos desmentiram as teorias, nenhum alarmista foi convocado à sala para prestação de contas. Vários deles já andavam então a prever novas catástrofes.
Sempre assim foi, sempre assim será.
A diferença é só de escala: os de agora têm palco planetário. E continuam sem permitir discussão: isso beliscaria a sua putativa aura de autoridade. São herdeiros directos daqueles que em tempos mais recuados chamavam "ciência" ao pensamento mágico enquanto sopravam as trombetas do Apocalipse. Aqueles que na edição da Newsweek de 28 de Abril de 1975 anunciavam o advento iminente de uma «nova Idade do Gelo»: havia comprovado registo de acréscimo de neve no Hemisfério Norte - e logo se deu um arriscado salto para a tese geral.
Dar voz a «credenciados especialistas» muitas vezes redunda nisto. No início de 1914, o reputado analista político britânico Henry N. Norman publicou no Guardian um ensaio que concluía: «Creio que não haverá mais guerras entre as seis grandes potências.» Sabemos o que aconteceu nesse mesmo ano.
No seu livro The Population Bomb que foi best seller em 1968, um biólogo da Universidade de Stanford, Paul Ehlirch, garantia em tom desesperado: «Perdemos a batalha para alimentar a Humanidade.» Antevendo uma década seguinte em que «centenas de milhões de pessoas morrerão de fome.» Tese já enunciada noutro best seller, dado à estampa em 1967: Famine 1975! America decision: Who will survive?, dos irmãos William e Paul Paddock - um agrónomo, o outro diplomata. Mencionando a Índia e o Egipto entre «as nações sem esperança» do mundo subdesenvolvido. Erraram: até ao fim do século, a quantidade média de calorias ingeridas por pessoa no mundo aumentou 24%.
Devemos acautelar-nos contra o suposto argumento de autoridade, que detesta ser refutado por teses opostas. Em regra, esse é o caminho seguido não por cientistas mas por embusteiros. E que nos conduz não à iluminação, mas à ignorância. Recorrendo quase sempre à mais primária das vias: o medo.
Nesta matéria, como noutras, aplaudo o que escreve Mike Hume no seu livro Direito a Ofender: «Numa sociedade livre e civilizada, nenhum debate devia ser dado por encerrado. Mesmo no campo da ciência. O cepticismo e o questionamento de tudo continuam a ser as bases do método científico. E essa abertura torna-se muito mais importante quando passamos à arena intensamente contestada do debate político acerca do futuro da sociedade.»
Além de ser um imperativo de cidadania e liberdade, é também uma garantia adicional de não andarmos tanto à mercê da chusma de charlatães que por aí pululam.