Ortopedix tinha razão
As épocas de eleições fazem-me sempre regressar às páginas de Astérix e o Presente de César, quando o vetusto Abraracourcix (continuo a usar os nomes que conheci nas traduções da Meribérica) e o recém-chegado Ortopedix se enfrentam em campanha eleitoral pela liderança dos irredutíveis gauleses. E esse regresso chega sempre a estas três vinhetas, e ao cinismo tão certeiro de Ortopedix: os números dizem o que quisermos. Como, aliás, a esquerda cá da paróquia tanto se tem esforçado por demonstrar desde Domingo último, quando se confirmaram os resultados eleitorais que as sondagens vinham anunciando.
A interpretação é lógica - retorcida, mas lógica. Como a coligação PSD-CDS perdeu a maioria absoluta e o Parlamento tem agora uma maioria de esquerda (de várias esquerdas, mas tais diferenças foram reduzidas à condição de pormenores, pelos vistos), deve ser essa maioria de esquerda a formar Governo - apesar de nenhum desses partidos, por si (já que não se apresentaram a eleições coligados - outro pormenor), ter ganho as eleições. Ainda que a Constituição possa dar legitimidade ao caldo, dificilmente os portugueses o dariam (mais um pormenor). Já o argumento, esse, é hilariante: 61,4% dos eleitores rejeitou um Governo da coligação, pelo que deve ser a Esquerda unida - derrotada em separado - que deve governar.
É uma lógica interessante, e que permite algumas interpretações não menos interessantes. Como, por exemplo:
- 67,6% dos eleitores portugueses não quis que o PS fosse Governo;
- 89,8% dos eleitores portugueses não quis o Bloco de Esquerda no Governo;
- 91.7% dos eleitores portugueses não quis a CDU no Governo
- 81.5% dos eleitores portugueses não quis o Bloco de Esquerda e a CDU no Governo.
Dito de outra forma: a mesma lógica que os partidos da esquerda utilizam para dar a coligação de direita como derrotada nas eleições pode muito bem servir para rejeitar a solução por eles proposta. É caso para regressarmos a Ortopedix: os números dizem mesmo o que quisermos.