Ordem defunta
É possível argumentar que a ordem liberal agora defunta foi fantástica, mas a realidade parece ser mais sombria. Essa época nunca foi pacífica, pelo contrário, houve conflitos violentos no Iraque, Afeganistão, Gaza, Síria, Ucrânia, entre outros que não despertaram a curiosidade mediática, como a guerra civil do Sudão, exemplo mortífero de descida aos infernos. Exércitos poderosíssimos fizeram mais ou menos o que queriam a bombardear camponeses rebeldes mal armados.
O resultado em matéria de liberdades é duvidoso: o novo governo francês, por exemplo, rejeita à partida a opinião de 70% dos eleitores; um ex-comissário europeu disse anteontem que Bruxelas tinha contribuído para anular as eleições presidenciais na Roménia e que, se for necessário, fará o mesmo nas legislativas alemãs; um pouco por todo o ocidente industrializado há um ataque objetivo à liberdade de expressão. As redes sociais foram controladas por algoritmos que impediam a circulação de certas ideias, tudo em nome da democracia. As desigualdades económicas criadas nas últimas três décadas são tremendas e a oligarquia que nos governa acumulou uma riqueza absurda. Há imensa literatura sobre isto, é comum a quase todos os países. Na realidade esta ordem nunca foi liberal, mas instável e controlada por privilegiados, agora contestada pela população, que considera tudo isto um fracasso.
A ordem liberal a que me refiro começou em 1991, quando a URSS perdeu a Guerra Fria e o acordo de Ialta ficou desatualizado. O breve período histórico de hegemonia americana terminou com o conflito na Ucrânia, onde a Rússia está a alcançar uma vitória militar contra um exército treinado, armado e financiado pela NATO. A eleição de Trump torna menos provável a guerra generalizada entre potências nucleares e mais provável o novo acordo global, que exigirá um encontro semelhante ao de Ialta, em 1945, entre Estaline, Roosevelt e Churchill. A nova ordem internacional será provavelmente definida numa cimeira entre Trump, Putin e Xi, em 2025.
Portugal foi um ator menor na chamada ordem liberal, mas o facto é que depois do estoiro nos anos Sócrates não conseguiu sair da cepa torta. A crise financeira foi para nós a crise das dívidas soberanas, uma humilhação coletiva que nos condenou ao pelotão traseiro da UE. O país está desindustrializado e vive de rendas e turismo, as desigualdades aumentaram e a rede social tem buracos por todo o lado. A Europa gastou em três anos 140 mil milhões de euros na guerra da Ucrânia, o dobro do que emprestou a Portugal no período da troika, com imensas restrições, dinheiro que pagámos. O da Ucrânia foi para um buraco negro de corrupção e derrota, para pagar salários e manter uma ficção militar. Isto é liberalismo?