As omissões da questão
Não me lembro de assistir a uma operação de desinformação tão generalizada como a que rodeia a questão das possíveis sanções europeias a Portugal. Os comentadores, analistas, políticos e jornalistas repetem à exaustão as ideias de que as eventuais sanções são uma tremenda injustiça, são ilegais e, a acontecerem, serão culpa do anterior Governo de Passos Coelho, o principal responsável pelo défice de 3,2% que justifica a severidade.
Estas análises têm uma omissão básica. Ao obter um défice orçamental de 3,2%, Portugal continuou sujeito ao chamado procedimento por défice excessivo, que implica a vigilância das contas públicas pelas instituições europeias. Aqui, deixo o link para um gráfico (em inglês) que explica este complexo mecanismo. Os países envolvidos devem aplicar medidas que conduzam à redução de qualquer desvio orçamental. Este é o problema: os europeus afirmam que há incumprimento, que ele se manterá este ano, as autoridades portuguesas recusam medidas adicionais de correcção do desvio, dizem que cumprem os 2,2%, repetem que não há plano B.
O Tratado Orçamental, que Portugal negociou e ratificou, prevê sanções em caso de não cumprimento de determinadas metas de défice e de redução da dívida. A Comissão Europeia tem a função de impor o cumprimento dos Tratados e recomendar sanções se um determinado país se desviar da trajectória negociada. O Eurogrupo, organismo que reúne os ministros das Finanças da zona euro, pode tomar a decisão política de impor a um país medidas de rectificação*. Se este recusar, aplicam-se os restantes mecanismos do procedimento por défice excessivo, incluindo sanções previstas nos Tratados, que são decididas pelo Conselho Ecofin e aplicadas, seguindo a lei, pela Comissão.
Há vários países em procedimento de défice excessivo, mas só Portugal e Espanha estão na lista das sanções, pois só estes dois se desviaram do rumo de redução que os próprios tinham negociado, no caso português devido a nova estratégia orçamental, no caso espanhol por ter havido um Governo de gestão durante seis meses.
Infelizmente, entre nós, o debate só vê sanções e está a ser tomado pela demagogia. Nos comentários de jornais e televisão, a direita é acusada de crime de traição à Pátria. Também se está a instalar o mito conveniente de que estas decisões são contra o “projecto europeu”, expressão onde cabe tudo e o seu contrário.
*O Eurogrupo é um organismo informal cujas decisões são sempre ratificadas pelo Conselho Ecofin de ministros das Finanças da UE. Há o argumento de que o Eurogrupo não existe: o facto é que os mesmos ministros da zona euro têm maioria no Ecofin, que as decisões do primeiro são aceites pelo segundo, com força de lei. Também não colhe o argumento de que as decisões são tomadas por burocratas: simplesmente, não é verdade, todos os ministros são eleitos e representam os respectivos Estados. A decisão não é da Comissão.