Aprendi com o escritor Paul Auster, que tenho a certeza ser personagem que lhe desagrada profundamente, esse nova-iorquino, para mais de família judia, que posso escusar-me ao exercício de dizer o seu nome e reduzi-lo a um número e, assim, o senhor (perdoe, mas não lhe dou nem a importância de Voldemort), é o 45.
O senhor, como ser humano e como quadragésimo quinto presidente dos Estados Unidos da América, depois de Obama, quando a figura de Bush começava a desvanecer-se (embora não as suas múltiplas acções condenáveis, quase irrelevantes quando olhamos para o estado a que chegámos), condensa todas as ideias de retrocesso civilizacional que mais abomino, mas representa também um espelho terrível do que é a humanidade, o espectro emocional que condiciona e limita, sem permitir discernimento, bom senso, inteligência, sensibilidade ou simples educação.
Não é que o senhor seja racista ou misógino (calculo que por esta altura já entenda o significa da palavra), que use as redes sociais como os cowboys nos filmes usavam as pistolas ao entrar num salon cheio de gente de má índole. É muito pior do que isso. É como se tudo o que é do lado do mal, das trevas, tudo o que, historicamente, combatemos e prometemos não esquecer, tivesse regressado com dupla força e incorporado numa criatura como o senhor que, digo eu, não tem espelhos em casa para olhar no fundo dos próprios olhos. Talvez se dê o caso do senhor olhar e não ver. Porque o senhor diz que ouve, mas não escuta e os seus amigos, os senhores poderosos dos negócios das armas de guerra, do petróleo, estão prontos a idolatrá-lo e a ajudá-lo a fazer mais dinheiro, a ajudá-lo no processo de não ver, nem escutar.
O senhor é o 45º presidente de um país que nasce dos ideais franceses, que calculo ser uma referência que o ultrapasse e que eu não tenho como explicar nos 140 caracteres do Twitter, a plataforma da sua eleição. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Não tem noção do que são? Pois, então, venho por este meio informá-lo que chumbou em todas as frentes e, ao fim de 365 dias, é evidente que não cumpre os requisitos necessários para exercer as funções de líder de uma das maiores potências do mundo (desculpe, mas a China está a passar-vos a perna à grande e à francesa, para usar uma expressão que na Europa se aplica amiúde com conhecimento da sua origem). Não cumpre os mínimos olímpicos.
O senhor deveria ser demitido, sem direito a qualquer regalia futura. Nada de motorista, reforma, avião, secretária. Podia voltar para a sua torre em Nova Iorque, reaver os negócios que deixou bem entregues à família para que nada lhe falte, e talvez entrar em mais um programa de televisão. Tenho a certeza de que existirão sempre almas maléficas interessadas em patrocinar a sua existência. Há sempre quem prefira os maus, aos bons. É um facto que a História comprova.
O senhor, cansado da América multicultural, com mulheres que se manifestam na rua e dizem "coisas", pode optar por ir viver para a Rússia. Dizem que o tempo lá até que é agradável em meados de Junho, mas com as alterações climáticas - que o senhor diz não existirem -, quem sabe se o universo não decide fazer-lhe um verão perpétua em terras da mãe Rússia? Tudo é possível.
Os milhões de pessoas que votaram em si, perante uma audiência mundial perplexa com a enormidade de ter um burgesso à frente dos destinos norte-americanos e do mundo (essa mania que a América tem de policiar o mundo começou com boas intenções, sabe?), são milhões, bem sei. Alguns devem sofrer do síndrome de avestruz, não querem saber, nem dizem que votaram. O silêncio é de ouro. Outros norte-americanos pedem desculpa. Outros aproveitam para capitalizar e outros para emigrar.
O senhor, eleito, com ou sem ajuda dos amigos russos, é um desastre para a Humanidade e colocou-nos na posição mais frágil de todas. O planeta a mudar, a diplomacia a falhar, o senhor a abandonar a Unesco - seguido pelos israelitas que estão igualmente parvos - e ainda tem tempo para enviar tweets apelando à destruição de países onde outros loucos têm igual acesso a material nuclear? A capacidade nuclear existente no planeta permite explodir a Terra dez vezes. Basta uma.
Por isto, e mais (incluindo as sucessivas gaffes, os factos alternativos, o controle desmedido sobre os media, a manipulação, o péssimo gosto em cortes e cor de cabelo e até a sua mulher-objecto), por favor, considere-se demitido. Por mim. E por uns tantos outros habitantes deste planeta. O século XXI, não podia, não devia, não merecia ter alguém como o senhor a dirigir fosse o que fosse, muito menos um país. Há muita coisa assustadora na forma como interage com o mundo, nas suas palavras e ameaças sucessivas. A História permite tirar algumas lições. Com tudo o que já vivemos até agora, temos de ter a certeza de que não esquecemos o que já vivemos. E nós já vivemos o inferno. Como lhe mandou dizer o senhor Macron, numa cerimónia em Paris, auxiliado por uma banda militar - o refrão é simples de cantarolar, sugiro que treine em frente ao tal espelho -, we've come too far to give up who we are.
Por isso, obviamente, demito-o.