Obras
Há quase dois anos que no entorno da minha casa, à margem do que já foi uma estrada e é hoje um arruamento com um aldeamento fino de macacos de um dos lados, e vivendas de projecto canhestro do outro, decorrem obras. Consistem elas na construção de passeios onde os não havia (uma necessidade), e repavimentação com o tradicional cuidado de as tampas de saneamento raramente ficarem à face, além de triângulozinhos limitados por pedra trabalhada, e jardinzinhos minúsculos, tudo segundo critérios que o projectista haverá de conhecer e algum labrego aprovou.
Ou talvez não, porque a razão pela qual o piso, em determinado troço, era de alcatrão (e já fora, há uns quarenta anos, em paralelepípedos) passou agora a cubos, que de repente desaparecem para passar novamente a alcatrão; e porque os passeios têm uma tipologia aqui, cómoda, e outra, incómoda, ali – a tal razão é decerto do tipo daquela que figura nos catálogos das exposições de artes plásticas: paleio de chacha pedante em mau português, significando nada.
Não procurei saber o custo da obra – com certeza, por envolver uma grande quantidade de trabalhadores e maquinaria pesada há tanto tempo, de larguíssimos milhões.
Ou seja, em nome do reconhecimento de que a antiga estrada já não o é, e da construção de uns passeios, está-se a torrar uma imensidão de fundos em arrebiques cuja utilidade é medíocre.
Os locais acham que está a ficar tudo muito bonito. E a nenhum ocorre que é enquanto contribuintes que ajudam a pagar a festa, mesmo que o grosso da despesa seja suportada pelo contribuinte líquido europeu, que tem às costas o fardo dos homens do sul.
A despesa da obra. Porque a manutenção ficará a cargo do município e, aparentemente, a perspectiva de um imenso esquadrão de gente, de joelhos, a tirar e pôr florzinhas, deve ser vista como uma coisa positiva – sempre são postos de trabalho no sítio certo, isto é, no Estado, que como é geralmente sabido tem recursos próprios que não vêm dos impostos.
Este exemplo comezinho de gestão municipal é o que há por todo o país: Equipamentos de utilidade pública sem nenhuma espécie de análise de custo/benefício, obras faraónicas, um discurso de penúria por parte dos autarcas, mas recursos como nunca se viu.
Há por aí uns estudos sábios feitos por economistas (uma classe de pessoas que se dedica a provar matematicamente que os seus preconceitos estão certos) que demonstram que a gestão municipal é mais eficiente do que a do Estado central. Não duvido nada, mas apenas no sentido de que o Estado central ainda é pior, pelo que a prudência aconselharia que não se juntasse a fome com a vontade de comer.
E de corrupção é bom nem falar porque, com a divulgação de casos, vão-se apurando os processos: alguém alguma vez foi ver se a velocidade de aprovação de licenciamentos é a mesma para todos os gabinetes de arquitectura, sejam ou não da terra – por exemplo? Ou como são preenchidos os quadros dirigentes das empresas municipais? Ou, ou, ou?
De modo que a transferência de competências, que foi a forma encontrada para ultrapassar o referendo da regionalização, é bom de ver que não será acompanhada de uma diminuição dos quadros de pessoal central. E, em que pese aos meus amigos liberais, a ideia de uma maior eficiência como consequência da proximidade é apenas isso: uma ideia razoabilíssima no papel, mas que, iluminada pelos nossos hábitos culturais e tradições, se limitará a multiplicar a corrupção, a despesa pública e os lugares de gestão para políticos hábeis tanto mais a gerir carreiras quanto ineptos para administrar até mesmo um minimercado. Há dessa variedade em Lisboa? Há e são demais. Mas os municípios são 308 e freguesias mais de 3000.
E então eu, que tal, estou satisfeito com as obras que alindaram a entrada para o meu caminho? Estou. O diabo é o IMI.