O umbigo do eleitor
Almocei há dias com um amigo que vive nos EUA. As conversas circularam por diferentes assuntos. Os que mais lhe interessam, e que o levaram a ir tentar a sorte fora daqui, são os negócios. Por cá não é de bom tom alguém se assumir como material e financeiramente ambicioso, mas esse não é o registo dele nem dos americanos. O optimismo corre nas veias dos empreendedores dos EUA.
Há uns tempos, numa visita que lhe fiz, reparei no detalhe da resposta habitual à coloquial pergunta “Como vais?/How are you?”. Na esmagadora maioria das vezes ouvi a resposta “Great!”, que não podia ser mais díspar do nosso tradicional “Vamos andando”. A diferença de atitude que estas duas respostas encerram é bem maior do que o Atlântico que nos separa.
Depois de esgotar a primeira ronda de assuntos, tornou-se inevitável abordar o tema Trump. Logo desatou a elencar todas as vantagens que quem tem negócios sentiu no seu mandato e de como agora, com Biden, se sente claramente a diferença e para pior. É do senso comum do círculo onde ele se desloca, associar-se o crescimento económico à diminuição do desemprego e por essa via espera-se, e verificou-se, uma diminuição da criminalidade. Pelo contrário, explicou-me, os apoios sociais distribuídos pelos democratas estão por de trás do aumento do desemprego e, simetricamente, do crime.
Quando lhe falei no assalto ao Capitólio, que em muito pouco se distinguiu de uma tentativa de golpe de estado, e na gravidade que isso encerra numa democracia, fez uma pequena pausa, e logo regressou ao relambório do crescimento económico.
Dei por mim a pensar como é que tanta gente faz por desprezar questões de princípio nas suas escolhas eleitorais, preferindo centrar-se nos seus interesses materiais.
Nesta conversa com este meu amigo emigrado nos EUA, senti que ao falar-lhe do assalto ao Capitólio, tive a mesma reacção que teria de um eleitor socialista se lhe lembrasse todos os escândalos do PS, o nepotismo, a endogamia, a tomada do estado pelo partido, o consulado do engenheiro Sócrates, a terceira insolvência, os incêndios de 2017, a TAP, a Efacec, os emails para as embaixadas, o financiamento do partido via contratos com Joaquim Morão e tantos e tantos outros. Engolem igualmente em seco, abdicam de decência democrática e a escapatória da conversa passa sempre pelo seu respectivo umbigo.