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Delito de Opinião

O trambolhão

Paulo Sousa, 18.01.24

O texto de Cavaco Silva publicado ontem no Observador fez-me recordar um tempo que muitos jovens, que já votam, nunca viveram. Há dias, na conversa com uma jovem arquitecta que vai insistindo em não emigrar, ouvi-a dizer que desde que se recorda de acompanhar a actualidade que se lembra de se falar da crise. Uma amiga do meu filho, que está a terminar o curso de enfermagem, contou-nos que toda a sua turma já foi abordada por serviços públicos de saúde europeus no sentido de os atrair para o seu país. Ela já sabe que vai para Inglaterra.

Perante a estagnação económica deste início de século, em que a emigração dos nossos mais jovens será apenas mais um indicador, o texto de Cavaco Silva é especialmente elucidativo do trambolhão que demos.

Diz Cavaco: "Em Junho de 1995 (...) a OCDE escreveu: “Portugal realizou, desde 1985, um progresso económico notável, marcado pelo aprofundamento da integração na economia internacional, pela abertura dos sectores protegidos, pelo avanço na transformação estrutural da economia e por um acrescido aprofundamento financeiro". Ao longo dos anos do Cavaquismo foram demolidas cerca de 42.000 barracas e realojadas 48.000 famílias, Lisboa ficou finalmente ligada ao Porto por auto-estrada, foi negociado o arranque da construção da Ponte Vasco da Gama, foi lançado o concurso internacional para a introdução do comboio na Ponte 25 de Abril, arrancou a construção da barragem do Alqueva, teve início a requalificação da zona oriental de Lisboa que culminou com a realização da Expo’98, foi negociada a ligação por gasoduto desde a Argélia, foi lançado o programa das Aldeias Históricas de Portugal e, em Abril de 1995, foi inaugurado o Hospital Distrital de Leiria, o oitavo construído de raiz durante os seus mandatos como primeiro-ministro. Sem ter de recorrer a tratamentos de favor nem à prática de crimes de prevaricação, foi ainda inaugurada a AutoEuropa.

Nem tudo terá sido bem feito nesses tempos das farturas e do optimismo, mas comparando com o que temos vivido e a que temos sido sujeitos, a diferença é abissal. São compreensivas as crises de urticária sentidas pelo actual poder sempre que Cavaco publica mais um dos seus textos.

O Expresso de há dias revelou-nos que 30% dos nascidos em Portugal vivem fora do país, um terço das mulheres em idade fértil optou por emigrar e que 70% destes novos emigrantes têm menos de 40 anos. Este é apenas uma parte do legado de António Costa. Nesta rubrica do Pedro Correia podemos enumerar muitas outras faces da mesma realidade que incluem empobrecimento dos portugueses, a degradação dos serviços públicos e a que lhe podemos acrescentar o recorde de sempre da carga fiscal. Fora das estatísticas que abrem telejornais, temos ainda assistido a um enfraquecimento regular e contínuo das instituições que foram criadas para contrabalançar a separações dos poderes legislativo, executivo e judicial.

Sendo que a alternância do poder é a essência do regime democrático, questiono-me sobre até que ponto os portugueses estarão anestesiados da realidade em que vivem.

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