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Delito de Opinião

O Tanque

Maria Dulce Fernandes, 08.06.23

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Mesmo ali na confluência, no ponto exacto em que a Rua dos Jerónimos se dilui na descoberta da Avenida da Ilha da Madeira, à direita de que quem sobe e à esquerda de quem desce, no cimo íngreme de uns quantos degraus de pedra, atrás de um portão, grande, velho e ferrugento, ficava O Tanque.

O tanque era a zona comunitária favorita da localidade, para pôr os mexericos em dia, enquanto se lavava a roupa com grandes e perfumados tijolos de sabão azul e branco. No meu tempo de petiz já o tanque deixara para trás o esplendor centenário e as filas de matronas palradeiras com trouxas de roupa à cabeça ou debaixo do braço. Nessa altura, quase todos os lares possuíam electricidade e água canalizada e cada um tinha o seu próprio tanque de lavagens e cordas imensas para pendurar roupa nos quintais ou nas janelas. O tanque comunitário já era usado apenas para as lavagens de Primavera, colchas, tapetes, enxergões, cortinas e cortinados, coisas que pelo tamanho e peso molhado, não era possível lavar em casa. Pouco tardou até que o sabão fosse substituído e quase aniquilado pelo propagandeado detergente que lavava mais branco.

Quando o meu irmão mais novo nasceu as suas fraldas já foram lavadas "na máquina", que chegou para vencer no campeonato das lides domésticas.

O tanque presentemente funciona como polo da Refood em Belém. Apraz-me a ideia de que continue a ter uma função social e comunitária.

Perco-me na nostalgia das longas noites de Verão, sentada no muro em frente ao portão, ouvindo a música da água que corria lá dentro, acobertada sob o azul céu do mais belo estádio de Lisboa, olhando o Tejo ao fundo à esquerda e aspirando profundamente aquele perfume fantástico a sabão (que tive a fortuna de redescobrir idêntico numa embalagem de detergente) que me acalenta as memórias da roupa fresca e cheirosa acabada de sair do tanque.

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