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Delito de Opinião

O som dos próprios aplausos

Luís Naves, 15.06.15

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Após cinco anos de duríssima crise social e financeira, Portugal devia começar a discutir o que tem de fazer no futuro, mas a pré-campanha eleitoral libertou uma dose de demagogia que impossibilita qualquer debate sereno. Os políticos parecem acreditar que o estrondoso som dos seus próprios aplausos corresponde a uma vaga de aprovação popular. Uns tentam vender-nos a ideia de que não são necessários mais sacrifícios, outros insistem na ilusão de que a crise resultou do azar externo e que será possível andar para trás no tempo.

Quando pensamos nos problemas que o País terá de enfrentar nos próximos quinze anos, parece haver sobretudo três questões: demografia, orçamento e emprego. Até 2030, todas as discussões políticas serão provavelmente centradas nestes temas. A criação de uma rede social moderna é uma das principais realizações da sociedade portuguesa nos últimos 50 anos, mas o financiamento do sistema de pensões será difícil sem profundas reformas, pois a fertilidade está em queda e o País perde população desde o início dos anos 80.

Portugal envelheceu depressa e isso tem consequências: economia menos dinâmica, forte pressão sobre o sistema de segurança social e também sobre os orçamentos. Em 1970, havia 6,6 indivíduos em idade activa para cada idoso com mais de 65 anos; a proporção tem diminuído e, neste momento, há apenas 3,3 activos por cada idoso. A demografia desfavorável significa que em 2030 a proporção baixará ainda mais, para 2,6. Na última década, o valor das pensões do regime geral duplicou e as contribuições aumentaram menos de metade. A este crescente desequilíbrio, deve somar-se o défice crónico da Caixa Geral de Aposentações, que ronda 4 mil milhões de euros anuais e é coberto por impostos. Em resumo, o sistema de pensões do futuro será menos generoso e penalizará sobretudo os trabalhadores que hoje financiam o sistema, através de impostos e descontos.

Na próxima década e meia, não haverá dinheiro para estímulos orçamentais e a Europa não vai tolerar endividamento. É neste contexto que Portugal terá de cumprir o Tratado Orçamental. Como demonstra o caso da Grécia, qualquer tentativa de adiar reformas dará origem a obstáculos nos mercados da dívida ou à incompreensão dos credores. Os orçamentos da próxima década terão saldos primários largamente positivos e a redução gradual da dívida pública precisa de ser feita num ambiente de destruição de empregos pouco qualificados, isto num País que continua a ter qualificações médias inferiores às dos seus parceiros europeus. Ou seja, não será fácil atrair investimento e criar emprego sofisticado, nem ganhar competitividade ou ocupar  aquela fatia da população que caiu no desemprego e não encontra trabalho.

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