O salto de Pichardo para a liberdade
Pedro Pichardo tornou-se ontem no quinto português a conquistar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Mas este é um português especial, nascido em 1993 em Santiago de Cuba e naturalizado em Dezembro de 2017. Porque, como tem acontecido com tantos desportistas do seu país de origem, decidiu dar um salto sem retorno para a liberdade. Fugindo do opressor regime cubano, que transformou a ilha num gigantesco cárcere.
O principal noticiário da RTP chamou-lhe ontem "desertor", adoptando a linguagem militar da ditadura em Havana, onde o Partido Comunista exerce o poder total desde 1959 - sem imprensa livre, sem sindicatos livres, sem eleições livres - o que já conduziu ao exílio mais de dois milhões de cubanos desde a instauração do actual regime.
Pichardo é apenas mais um entre tantos. O seu exemplo foi seguido no mês passado por Jordan Díaz: este jovem de 20 anos, um dos mais promissores talentos do atletismo cubano, abandonou o estágio em Espanha, pedindo asilo político. Foi um rude golpe para a ditadura, que transforma cada proeza desportiva em peça de propaganda. Jordan tem a melhor marca mundial no triplo salto para menores de 18 anos.
Aconteceu o mesmo com o basquetebolista Raudelis Guerra, que em Junho aproveitou uma escala da selecção cubana da modalidade no aeroporto de Barajas, em Madrid, para solicitar também asilo às autoridades espanholas.
No mesmo mês, três elementos da selecção cubana de basebol que fazia uma digressão nos EUA decidiram permanecer lá, recusando regressar a Havana: César Prieto, Lázaro Blanco e Andy Rodríguez.
Trocam honrarias e medalhas pelo maior dos bens: a liberdade. Num país oprimido há 62 anos pelos tentáculos do partido único, cada vez mais militarizado e entrincheirado num obsoleto e demencial slogan político: o hiper-nacionalista "Pátria ou morte". Como se este disjuntivo fosse a coisa mais normal do mundo.
A juventude rebelde em Cuba responde com uma canção que se tornou num hino da novíssima geração: "Pátria e vida". Algo que faz muito mais sentido. Sobretudo num país com «hospitais em colapso, centros de acolhimento em péssimas condições, recordes diários de casos activos de covid-19, escassez de medicamentos», como relata um despacho da agência EFE, desmentindo a propaganda oficial que exalta as conquistas do regime em matéria sanitária.
«Com 1.441 casos por cada cem mil habitantes, Cuba é actualmente o país com maior incidência de covid-19 no continente americano e um dos primeiros do mundo», lê-se nesta peça da prestigiada agência noticiosa espanhola. «Nas localidades mais afectadas do país surgem imagens de hospitais superlotados pelo elevado número de doentes, uma situação agravada pela escassez de medicamentos e produtos básicos.» Num país onde há nove meses o salário mínimo mensal era equivalente a 13 euros e um médico recebe, em média, 30 euros por mês.
Reflexos óbvios de uma economia descapitalizada e de um modelo estatal centralizado totalmente ineficaz. Que asfixia a sociedade e condena ao desterro muitos dos seus melhores filhos. Outros estão na prisão. «As autoridades continuam a reprimir todas as formas de dissidência, incluindo a detenção de artistas independentes, jornalistas e opositores políticos», sublinha o mais recente relatório da Amnistia Internacional.
Por tudo isto se entende o gigantesco salto de Pichardo para a liberdade. Um salto de campeão, que merece a maior de todas as medalhas: a de um homem que não se verga perante a tirania. Orgulho-me de que seja nosso compatriota, com ouro ou sem ele.
ADENDA: Inqualificável, o ex-eurodeputado comunista Miguel Viegas, ao afirmar que a medalha de ouro a Pichardo «não é 100% portuguesa». Mesmo gerada pelo mais rasteiro sectarismo político, não deixa de ser uma expressão xenófoba e contaminada de racismo. O Chega certamente aplaude.