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Delito de Opinião

O regresso da censura

Paulo Sousa, 02.07.20

A liberdade de expressão é um tema maior da nossa sociedade.

Por achar que este blog é, além de outras coisas, um pequeno nicho virtual no altar da liberdade de expressão, o tema que aqui trago não poderia passar em claro.

O recente anúncio por parte do governo de que vai monitorizar o discurso de ódio na internet, não é mais do que o pisar de uma linha que nunca tinha sido assumida pelos governantes do Portugal europeu.

Podíamos começar por lhes pedir uma definição do que é um discurso de ódio.

Estará o discurso de ódio contra o nazismo incluído no critério dos censores? E contra os pedófilos? E contra os traficantes de pessoas? E como ficamos em relação aos violadores?

Será que esta ferramenta de defesa da opinião pública também se poderá aplicar ao mundo do futebol?

E porquê apenas na internet? O discurso de ódio nos cafés não agride também a mesma opinião pública que o governo pretende defender e acha incapaz de avaliar por si o que vê e ouve?

O ódio é um capricho que, pela diminuição da capacidade de análise e pela perda de enfoque que causa, enfraquece quem o sente. Também por isso não é ódio que sinto pelos aspirantes a censores do governo do socialista António Costa, mas sim e apenas desprezo. Será que o discurso de desprezo ainda passa nas malhas dos autopromovidos avaliadores dos discursos de sentimentos dos outros?

 

Há depois ainda um outro detalhe que me faz rir desses bananas.

Hoje a plataforma das matrículas escolares bloqueou pelo excesso de tráfego, tal e qual como acontece com os servidores da AT nos dias de “entrega” das declarações de IRS, e tal e qual como aconteceu com o SIRESP no fatídico dia do incêndio do Pedrogão.

O aumento de capacidade de resposta para todos estes casos estava previsto nos planos do governo, mas certamente devido a alguma cativação, por esquecimento ou então porque não calhou, acabou por não ser feito.

Será esse exímio e frio rigor que os odiosos propagadores do ódio cá do burgo terão de enfrentar. No dia em que o programa de censura arrancar, o servidor vai estar empacado porque há um conflito no sistema operativo, no dia seguinte serão as licenças, e depois disso será uma placa gráfica que vai queimar e alguém vai ter de telefonar a um primo que, tipo, percebe bué disso. O técnico vai ter que usar o seu telemóvel pessoal porque ainda estão a começar e as comunicações ainda não estão a 100%. O tipo que sabe fazer ligações de fibra óptica está com febre e telefonou ao patrão que, depois de o mandar para casa, desinfectou o telemóvel e lavou as mãos.

E enquanto esta novela segue, os odiosos propagadores do ódio continuam a pulverizar ódio nas contas das redes sociais dos frágeis e indefesos portugueses, incapazes que são de avaliar a informação a que têm acesso.

Se a ministra conhecesse Portugal saberia bem que não nos levamos a sério e que por isso os contratempos serão muitos maiores do que estes - não fosse a ficção sempre ultrapassada pela realidade. Os resultados serão apenas mais uns empregos para uns voyeuristas encartados que, incapazes de purgar o ódio da natureza humana, ficarão para a história como a serôdia censura socialista do início do sec XXI.

4 comentários

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    Paulo Sousa 03.07.2020

    Provavelmente por incapacidade minha não terei esclarecido que também sou contra o discurso do ódio.
    Apenas desprezo quem se advoga capaz de avaliar e de definir fronteiras em coisas tão pouco rectilíneas como as palavras.
    Esse é o ponto do meu post.
    Por exemplo o Chega é um partido que insiste em ser politicamente javardo e desprezível, rejubilará no dia que tiver uma frase banida porque irá armar-se em vitima e assim agregar mais apoiantes. Isso confirmará a sua narrativa (dele) de que o sistema o quer silenciar porque ele está a incomodar os poderes instituídos. Enquanto o directório da censura socialista não o fizer ele irá continuar a descer de nível contando com a chegada dessa dia. Este é um exemplo de um resultado absolutamente perverso em relação aquilo que se pretende.
    Confio na capacidade dos indivíduos em dar a devida importância às mensagens sem que seja necessário um preceptor público a definir o que é asseado e o que não é próprio. Talvez isso faça de mim um lunático liberal, mas isso não me incomoda.
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    Cristina Torrão 04.07.2020

    Sim, não há dúvida de que é difícil definir fronteiras. E não será um governo "socialista/costista" o mais indicado para nos dizer como devemos discursar. Por outro lado, o discurso torna-se, por vezes, tão desrespeitoso da condição humana do alvo a atingir, que admito desejar que se arranje maneira de acabar com ele. Insulto é violência, por isso, devia ser crime.

    No fundo, a responsabilidade é de políticos como Trump e seus imitadores. Eles lançaram o caos, legitimando a violência verbal e adoptando uma pose de superioridade em relação a todos os que não pensam como eles. Trump é incapaz de considerar seja quem for ao seu nível. É isso que é triste: chegar ao ponto de nos considerarmos superiores a tudo e a todos, legitimando uma linguagem violenta. Há quem chame coragem a isso.
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    Paulo Sousa 04.07.2020

    No inicio das espécies os bichos atacavam por instinto, alimentavam-se por instinto e reproduziam-se da mesma forma. Dizem os cientistas que foram precisas inúmeras evoluções até que os sistema nervoso dos bichos ficasse mais elaborado e, literalmente, com mais camadas que lhes acrescentaram capacidades. Entre essas capacidade os bichos humanos conseguem avaliar os seus actos antes de os realizarem. A nossa natureza social acrescentou-nos a inteligência social.
    A reacção violenta perante uma agressão é um acto instintivo que confirma a nossa natureza de bicho, mas que nos aproxima dos primórdios da vida.É claro que a necessidade de defesa pode legitimar uma violência proporcional, mas ainda assim violenta.
    A decência das pessoas e dos estado defini-se também pela facilidade, naturalidade e objectivos com que recorrem à violência.
    Há poucos séculos, e também na actualidade em algumas regiões, era normal eliminar fisicamente os opositores. Diz-se que na União Soviética se algum cidadão criticasse o poder a sua viúva seria enviada para um Gulag. Em termos medievais este método será bastante benevolente porque então uma coisa assim corresponderia à eliminação física de toda a família.
    A censura enquanto ferramenta de defesa da opinião pública, como era definida na nossa constituição de 1933, é uma evolução em relação aos Gulags mas não rima com a liberdade de expressão que temos como nossa.
    Para quem acredita que o futuro, mais ou menos distante, será um lugar melhor para viver, com mais entendimento e até solidariedade, para esses, a censura mais ou menos encapotada e até aparentemente legítima, não é mais que um andar para trás na recta que levará a um entendimento alargado, que surgirá primeiro por necessidade e depois por convicção.
    A censura é na actualidade um retrocesso civilizacional, e a liberdade de expressão tem de estar acima do nosso direito a não sermos ofendidos.
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