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Delito de Opinião

O que se seguirá ao desaire russo?

Paulo Sousa, 11.05.22

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Não caberia num postal, nem a informação pública o permitiria, elencar aqui tudo o que a Rússia já perdeu desde que o seu ditador Putin decidiu avançar contra a Ucrânia. A ocupação de território ucraniano já tinha começado há mais tempo, mas quero apenas aqui referir o que se passou nos últimos 77 dias.

Na história das últimas décadas, 77 dias são uma gota de água no oceano, mas ainda assim já foram suficientes para que o segundo melhor exército do mundo tenha passado a ser o segundo melhor exército na Ucrânia.

A estratégia tomada pelo Kremlin levou a que muitas da suas fragilidades tenham sido reveladas. Enquanto as torres dos seus tanques subiam pelos ares, o navio porta-bandeira Moskva avançava no Mar Negro em sentido contrário. Enquanto a imensa coluna com 60 km de veículos treinava tiro aos patos, mas no lado dos patos, a desorientação dos seus soldados obrigava os tractoristas ucranianos a fazer horas extraordinárias. E entretanto confirma-se que a evolução das capacidade dos drones tornou obsoleta a imensa frota de blindados russa.

A inoperacionalidade das suas comunicações, das suas linhas de comando, as continuas falhas logísticas, a falta de sorte dos seus generais, a desmotivação das suas tropas, tudo ajuda a que o sentido da guerra se tenha tornado cada vez mais claro.

Os desenvolvimentos mais recentes, com o reforço maciço do apoio americano e em que até a inicialmente reticente Alemanha decidiu começar a enviar armamento pesado, de ataque, para as forças ucranianas, fará com que o previsível arrastar da guerra se torne demasiado exigente para o invasor.

Fora da fronteira da Ucrânia, a Rússia também conseguiu, em apenas 77 dias, ficar isolada internacionalmente, conseguiu que a Finlândia e a Suécia dessem passos definitivos para aderirem à Nato, conseguiu que os EUA tenham recebido longas encomendas de armamento por parte dos países europeus, conseguiu que a União Europeia se mostrasse mais unida que nunca, tendo alterado até a sua política de defesa e que pela primeira vez tenha decidido usar os seus fundos para a aquisição de armamento. Conseguiu também ficar fora do próximo cocktail energético europeu, e isso pode durar muitos anos.

De tanto querer ajustar contas com a "humilhação" sofrida aquando do desmoronamento da URSS, Putin faz lembrar Hitler quando tentou igualmente acertar contas com o passado e com a forma como a Alemanha sentiu a derrota de Versalhes.

Mesmo sendo impossível consegui-lo, se fizermos por ignorar todos os crimes que foram cometidos contra civis, o que é público e notório, e que ficará na memória de todos durante muito tempo, é a imensidão de episódios que destruíram completamente a respeitabilidade do exército russo, assim como do regime de turno no Kremlin. Sem motivos para ser temido, nada pode segurar Putin ao poder.

Se alguém aprendeu alguma coisa com a história, concordará que a Rússia pós-Putin deverá ser apoiada e ajudada a regressar ao concerto das nações. Nesse sentido vale a pena ouvir as recentes palavras de Macron. Não se pode construir uma paz (duradoura) com a humilhação da Rússia. Para entender esta frase, importa não repetir um dos erros maiores de Putin, e que consiste em confundir-se com o país. A Rússia não é Putin.

Quando dentro da Rússia a maré virar, e é inevitável que vire, ninguém aceitará ser liderado por um líder perdedor que arrastou o país para a humilhação.

A desintegração da Federação Russa em diversos estados seria uma possibilidade, mas a China não permitiria que isso acontecesse. É muito melhor ter um vizinho gigante e politicamente frágil, que lhe permita um acesso privilegiado aos seus recursos naturais, do que uma ninhada de Kadyroves armados com ogivas nucleares.

Agora vamos ver como é que irá envelhecer este postal.

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