O Presidente preso no seu labirinto
Marcelo Rebelo de Sousa
Frenético, hiperactivo, irrefreável, Marcelo Rebelo de Sousa anda em permanente corrida consigo próprio. Imaginando sempre os capítulos seguintes da telenovela política portuguesa, em que é um dos protagonistas. Sem ele, o enredo seria muito diferente.
Lida mal com o silêncio. Detesta imaginar-se esquecido. Não suporta a ideia de ficar reduzido a rodapé da História. Ele, que foi criado no Estado Novo e estudou em pormenor o singular «presidencialismo de primeiro-ministro» (definição de Adriano Moreira) que caracterizava esse regime concebido por Salazar, jamais se suporia confinado ao estatuto residual de corta-fitas, associado apenas à pompa ritualística da democracia.
No múnus presidencial, Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa, 73 anos, tem Mário Soares como arquétipo. Pela elevada fasquia que esse antecessor estabeleceu em três domínios: ser o chefe do Estado mais votado em reeleição, exercer uma «magistratura de influência» a partir do Palácio de Belém e cessar funções deixando no poder a sua família política de origem.
Destes objectivos, o primeiro já é inalcançável. O segundo vai ser posto à prova com a maioria absoluta socialista. O terceiro dir-se-ia hoje utópico face à crise existencial no PSD, que encolhe de sondagem em sondagem e desperdiça oportunidades para se reencontrar com a sociedade, como esta frustre campanha para a eleição directa do próximo líder confirmou.
Soares findou o mandato, em Janeiro de 1996, edificando o sonho hegemónico de Francisco Sá Carneiro: um Presidente, uma maioria e um Governo. Mas à esquerda – com Jorge Sampaio em Belém, António Guterres em São Bento e o PS a imperar no hemiciclo. Marcelo viveu esse ciclo da pior maneira, condenado a comandar o PSD na oposição sem nunca ter chegado a primeiro-ministro.
Agora ambiciona atingir até 2026 a meta de Soares, em rigorosa simetria. Para tanto, tem de superar três obstáculos. Primeiro: a presença quase obsessiva de António Costa, com tendência crescente para ocupar todo o palco. Segundo: a reorganização de forças à direita do PS, que não depende dele. Terceiro: a sua manifesta falta de paciência para racionalíssimos lances de xadrez político.
No Governo, há quem queira condená-lo à irrelevância – e o astuto Marcelo está farto de saber isso. Mas o antídoto mais eficaz dificilmente passará pelo excesso de histrionismo presidencial que voltou à tona nesta visita de Estado a Timor, nem pelo uso imoderado da palavra, como quando comunicou aos jornalistas no Dubai que Costa estaria a caminho da Ucrânia. Num regresso pouco recomendável aos tempos em que era um dos maiores fornecedores de manchetes da vida política nacional.
Eis o Presidente preso no seu labirinto: as legislativas de 30 de Janeiro, que ele mesmo convocou, vieram alterar as regras do jogo. «O importante não é o valor das palavras. O que importa é saber quem manda», dizia o Coelho Branco à Alice. Era no País das Maravilhas, mas também se aplica a Portugal.
Texto publicado no semanário Novo.