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Delito de Opinião

O pior ministro do Governo Costa

Pedro Correia, 24.08.16

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 Centeno no Eurogrupo com o seu homólogo grego (11 de Julho de 2016)

 

 

«A razão de ser da divergência da economia portuguesa é a má qualidade das nossas instituições.»

Mário Centeno, in O Trabalho, uma Visão de Mercado

 

Garantem-me que Mário Centeno foi opção de primeira hora do actual chefe do Governo para ministro das Finanças. É tempo de concluir que se tratou de uma opção desastrosa.

Especialista em “mercado do trabalho”, Centeno foi arrancado em Março de 2015 ao merecido anonimato em que funcionava na pacatez do Banco de Portugal, como assessor especial da administração, para coordenar o programa eleitoral do PS no capítulo da economia. Com “medidas inovadoras”, como não tardámos a ler nos panegíricos de turno. A principal era o contrato único, destinado a “substituir os contratos com termo incerto ou indeterminado, os contratos a prazo e os contratos temporários”.

Divulgado a seis meses das legislativas, este programa apontava para um cenário digno do País das Maravilhas: crescimento económico médio anual de 2,6% durante a legislatura - muito acima da média comunitária - e défice das contas públicas reduzido a 0,9% no final do exercício governativo. Na linha aliás do irrevogável optimismo de António Costa, que pouco antes enaltecera perante hipotéticos investidores chineses o facto de Portugal se encontrar então numa "situação bastante diferente daquela em que estava" quatro anos atrás, prestando uma homenagem involuntária ao Executivo de coligação PSD-CDS.

 

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Convidado para a pasta das Finanças, em Novembro, Centeno anunciou ao País o primeiro orçamento expansionista desde 2011, com 300 milhões adicionais de gastos, "alavancados" na mirífica recuperação do consumo interno. Esquecendo porventura que quando se aposta na intensificação do consumo enquanto motor da economia accionamos o circuito de importações, com o consequente agravamento da balança externa.

A sua proposta de contrato único ficara pelo caminho: Costa apressou-se a desautorizá-lo ainda antes das eleições, deixando cair a medida emblemática do professor de Economia do Trabalho. Nada que roubasse o sorriso ao ministro das Finanças: com os votos garantidos do PCP e do Bloco de Esquerda, o orçamento de Centeno baixou em dez pontos percentuais o IVA da restauração, fazendo aumentar as margens de lucro dos empresários do sector sem benefício para os consumidores, e - após hesitações iniciais logo varridas por Costa - decretou a semana laboral de 35 horas na função pública, introduzindo novos factores discriminatórios ao manter à margem da medida os trabalhadores do Estado com contratos individuais.

 

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Entretanto o País das Maravilhas contemplado no Orçamento do Estado deixara de ser o mesmo do risonho documento anterior: as perspectivas de crescimento económico haviam baixado para 1,8%,  pecando ainda assim por excessivio optimismo, o que suscitou reprimendas ao Governo por parte da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional. Ambas as instituições previam entre 1,4% e 1,6% para a expansão da economia portuguesa - já abaixo das estimativas médias para a eurozona.

A 11 de Julho, à boleia da vitória portuguesa no Europeu de Futebol, Centeno apareceu na reunião do Eurogrupo com cachecol patrioteiro ao pescoço e um sorriso mais rasgado que nunca. De nada lhe serviu a tirada demagógica para fotógrafo registar: 48 horas depois a Universidade Católica desfazia qualquer dúvida que pudesse restar sobre o desempenho da economia portuguesa, cifrando em 0,9% a previsão do nosso crescimento para 2016. Metade da meta fixada no Orçamento do Estado.

Depois disso, ao divulgar os dados da execução orçamental do segundo trimestre, o Instituto Nacional de Estatística arrefeceu ainda mais os ânimos: o cenário da estagnação económica tornou-se uma ameaça real. Com o crescimento - se ainda podemos chamar-lhe assim - a situar-se em 0,8%. Cerca de metade da expansão de 1,5% ocorrida em 2015, o que impõe o  congelamento de salários da função pública para o próximo ano.

Melhor prova não podia haver da falência do modelo centeniano: a "recuperação do poder de compra", sob o olhar cada vez menos complacente de Bruxelas, deixou de constituir prioridade e a "criação de um quadro correcto de incentivos para os investimentos das empresas e dos trabalhadores", que ele havia defendido no seu livro O Trabalho, uma Visão de Mercado, nunca passou do tinteiro.

As coisas são o que são.

 

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Nove meses após ter tomado posse, o pior ministro do Governo Costa já deixou um rasto nada invejável: Portugal com o segundo mais débil desempenho económico da zona euro, dívida pública a subir para um nível inédito (representando 131,6% do PIB), investimento em queda, contas externas cada vez mais desequilibradas, Novo Banco pronto a ser vendido por um valor simbólico, longos meses de gestão caótica da Caixa Geral de Depósitos e  humilhação sem precedentes da maior instituição financeira portuguesa pelo Banco Central Europeu, que chumbou a nomeação de oito administradores, remete três outros para acções de formação e força o novo presidente da Comissão Executiva a renunciar à presidência simultânea do Conselho de Administração no prazo de seis meses.

De caminho tornou-se evidente que o Governo agira como se desconhecesse o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras vigente desde 2014 e procurou remendar a situação anunciando uma apressada alteração do quadro legal que conta com a  oposição declarada dos seus parceiros de esquerda. Com tantas atribulações, a Caixa viu fugir 1,4 mil milhões de euros em depósitos entre o início de Abril e o fim de Junho.

 

No entanto, apesar de tudo isto, olhamos para o ministro e verificamos que ainda não perdeu o sorriso.

O que me leva a questionar pela segunda vez: afinal Centeno ri-se de quê?

7 comentários

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    Pedro Correia 25.08.2016

    O que é que você não entendeu do que eu escrevi? Posso sempre fazer-lhe um sumário. A ver se percebe melhor.
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    Diogo Moreira 25.08.2016

    Eu não percebo porque o Pedro insiste em colocar vários assuntos dispersos - por exemplo, qual a relevância de um Ministro, mesmo que seja das Finanças, de aparecer com um cachecol ao pescoço em termos do seu desempenho profissional?

    Afirmações como esta: «Melhor prova não podia haver da falência do modelo centeniano: a "recuperação do poder de compra", sob o olhar cada vez menos complacente de Bruxelas, deixou de constituir prioridade (...)» são uma falácia. Como referi no comentário anterior, não houve política fiscal expansionária; houve uma tentativa de manipulação de expectativas dos agentes económicos, a qual não demonstrou significativos efeitos práticos.

    Quanto às instituições internacionais, independentemente do consenso que se vai solidificando no mundo académico, e nem sequer tomando em consideração as avaliações negativas que os seus departamentos internos têm demonstrado à saciedade que a austeridade não ajuda, antes prejudica a evolução favorável da Economia, insistem em querer amarrar Portugal a uma persecução de políticas falhadas (e a eterna promessa das sanções) - o que, naturalmente, se reflecte no desempenho anémico da evolução do PIB.

    Mas o Centeno falhou em todas as previsões que fez! É verdade - tal como é verdade que os seus antecessores têm um registo de previsões ao mesmo nível. Esta afirmação não é abonatória para o Centeno - é apenas uma constatação que prever o futuro é, efectivamente, quase impossível de fazer. E, por isso, não se deve sacrificar um Ministro das Finanças num qualquer altar, a não ser que as ditas previsões sejam estapafúrdias (como, por exemplo, prever um crescimento do PIB ao nível percentual da China ou da Índia nas actuais condições de mercado).

    Apesar de noutros comentários fazer questão de frisar que este não é um Ministro qualquer, mas é o Ministro das Finanças, faz com o que a parte do seu texto original (em que critica o desempenho desfavorável na persecução de políticas na pasta do Trabalho) perca sentido. "A César o que é de César".

    Em termos técnicos, temos indicadores para todos os gostos. Desde o desemprego que está nos níveis mais baixos dos últimos anos (que o economista Fernando Rosas não se cansa de desmentir, com toda a razão) até ao controlo da despesa estar a ser um sucesso (como se diz hoje no Jornal de Negócios http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/despesa_esta_controlada_mas_gaspar_conseguiu_melhor.html), como a indicação que as taxas de juro voltaram a baixar a barreira dos 3% (por efeito do trabalho do BCE, com a sua política monetária expansionista), tanto dá para um lado como para o outro. Eu desconto cada uma das supostas "vitórias" e "derrotas" com o que está a acontecer por acção de outros agentes económicos.

    No meu ponto de vista, a grande vitória do Mário Centeno como Ministro das Finanças tem sido o adiar da aplicação de maior carga fiscal na Economia Portuguesa. Com isto, está a mostrar empiricamente que Portugal se sai melhor sem austeridade do que com ela. E, politicamente, ainda não sucumbiu como o Tsipras, estando a dar novo fôlego à ideia de uma alternativa/união dos países do Sul da Europa para terem mais voz dentro da União Europeia.

    Isto faz dele um bom Ministro das Finanças? Não. Apenas um Ministro que se está a aguentar razoavelmente.

    Mas o que faz dele o pior Ministro do Governo do Costa? Deverá ele ser julgado por situações que fogem da sua alçada ou pelo seu aspecto físico? Ou sequer pela cor do seu cartão partidário e dos seus actuais compinchas no Parlamento?
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    Pedro Correia 25.08.2016

    Repito: é o pior ministro do Governo Costa.
    Nenhum outro ministro do Governo Costa prometeu há 16 meses que poria o País a crescer 2,6% com base no aumento da procura interna.
    Falácia monumental, como logo demonstrou o OE 2016, prometendo afinal um crescimento de 1,8%.
    Falácia ainda maior quando as mais recentes previsões, de organismos credíveis, já cifram a expansão económica em 0,9% ou 0,8%. Pouco mais de metade do crescimento registado em 2015.
    Nenhum outro ministro do Governo Costa se enganou tanto em tão pouco tempo como o professor Centeno.

    P. S. - Não sei quem é o economista Fernando Rosas.
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    Diogo Moreira 25.08.2016

    Como o Pedro disse noutro comentário, aqui não apresenta dados novos e insiste na mesma ideia. Deixa no ar, no entanto, que a condição única e necessária para se fazer um bom Ministro das Finanças é a capacidade de adivinhar o futuro. É a sua opinião, com a qual não concordo minimamente.

    Quanto ao economista, tem razão. O seu nome é Eugénio Rosas (não Fernando). Tem aqui (https://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2015/28-2015-DesempregoOficial.pdf) uma explicação dos números do desemprego para o Governo anterior, o qual é facilmente extensível ao actual governo (com a questão adicional do emprego sazonal na área do turismo ter dado um empurrãozinho este ano, como os próximos números deverão demonstrar).
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    Pedro Correia 25.08.2016

    Fazer previsões macroeconómicas que servem de alicerce a um programa eleitoral de um partido político a seis meses das legislativas é "adivinhar o futuro"?
    Presumo que sua intenção não será essa, mas esta frase induz-nos a pensar que você equipara a ciência económica à astrologia.
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    Diogo Moreira 25.08.2016

    Como Economista, posso assegurar-lhe que é mesmo esse o caso. Uma piada que se conta nos corredores da Universidade por onde passei é: os Economistas hoje procuram as justificações para mostrar que as previsões que fizeram no ontem não se irão realizar amanhã.

    Ou, se quiser, é como a previsão meterológica: por melhores que sejam os modelos matemáticos utilizados, há sempre uma parte da realidade que é abstraída e que, por isso, o resultado de uma previsão não é 100% fiável (sendo que, por vezes, falham redondamente). Com a enorme diferença que a previsão do estado do tempo cai no domínio das ciências naturais, enquanto que as previsões económicas são do domínio das ciências sociais - o Ser Humano é muito mais complexo!

    Claro que é bom fazer previsões e colocar isso tudo num plano de Governo. Mas qualquer pessoa que já fez orçamentos rapidamente constará que existem sempre coisas imprevistas que teimam em estragar os planos tão laboriosamente criados. É simplesmente natural.
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