Ó Pátria sente-se a voz
Foi necessário chegar ao 9º penalty para resolver a 2ª Final Autêntica do Euro 2016 entre a Itália e a Alemanha. A 1ª Final Autêntica fora o Itália-Espanha em que o campeão europeu em título acabou derrotado pela Itália. Compreende-se porque tanto demoraram agora os fados a encontrar um vencedor: primeiro porque ninguém merecia ter perdido, mas, sobretudo, porque cada um dos marcadores de penalties tremeu ao ver que tinha pela frente o melhor guarda-redes do mundo, fosse ele Neuer ou Buffon. De modo que 4 rematadores italianos, contra 3 alemães, cederam à responsabilidade cósmica que lhes apertava o coração – como moribundos hão-de ter revisto a vida diante dos olhos nos segundos em que corriam para a bola …
No assim chamado “tempo regulamentar” a titanomaquia ficou filosoficamente indecisa entre o realismo de Maquiavel dos italianos e o determinismo de Schopenhauer que motivava os alemães. Sucedeu isto porque, durante o jogo, os 21 algoritmos de calções que evoluíram em campo mostraram-se incapazes de falhar, mesmo quando o cansaço lhes tolhia os movimentos, provando que o binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O 22º jogador foi Buffon, que se comportou com o panache a grandeza de um doge veneziano, fiel depositário do ceptro recebido de Pirlo (o melhor meio campista de sempre da história do futebol) que por sua vez o herdara de Maldini (o melhor defesa esquerdo da história do futebol).
Agora na meia-final, em boa verdade a 3ª Final Autêntica, os alemães enfrentarão das duas uma: ou os anfitriões franceses que têm revelado pouquíssima vontade de serem mansamente cornudos – em futebolês, como é óbvio – como o original Anfitrião de Molière, ou o prolongamento da saga nórdica lavrada em runas de fogo pelos vulcânicos islandeses.
De qualquer modo tudo isto são péssimas notícias para a Pátria, a nossa. Portugal tem que ganhar com veemência e larga margem a Gales. Se fizer mais um daqueles jogos sofridos, manhoso como um lavrador beirão, sonso como uma tia de Cascais e entregue aos azares de uma biqueirada cega, sem estatísticas que ratifiquem a vitória, chegaremos à final como a mais negra e ronhosas das ovelhas de que haverá memória em torneios futebolísticos e seremos execrados por milhões em todo o mundo a rezarem pelo nosso justo esmagamento. Da pele do “orgulhosamente sós” nunca nos conseguimos livrar por completo, é verdade, mas é escusado encasquilharmo-nos ainda mais nela.