O Parlamento e o Primeiro-Ministro
O fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, aprovado pelo conluio entre PS e PSD, é interessante e surpreendente. Interessante porque mostra que há 40 deputados dos dois partidos que, ao votarem ao invés das indicações das suas chefias, conseguem mostrar restos de existência. É também de interesse psicanalítico, mostrando como a identificação com Costa de que Rio padece se torna, cada vez mais, um caso patológico. Digamos que nesse processo o homem se amenina, de Rio regride a Rui.
É certo que a vida, e como tal a própria acção governativa, muito mudou desde o (re)início da nossa democracia parlamentar. Mais que não fosse porque os primeiros-ministros viajam mais, feitos andarilhos europeus. Isso até poderia suportar o argumento da "falta de tempo" para os "encontros" parlamentares quinzenais. Mas não é preciso grande militância teleespectadora para se perceber que os primeiros-ministros também têm uma preenchida agenda de visitas "para eleitor ver", por vezes até trepidante. Não lhes faltará tempo para isso?
Também se pode dizer que muito do que se passa nesses debates quinzenais é irrelevante, com uma troca de picardias mais ou menos sonoras, em busca de sonoridade mediática, a mostrar um autocentramento parlamentar, uma mera busca do "porreiro, pá!" entre colegas de bancada ou mesmo da palmada no ombro vinda de outras bancadas, claro que dada nos passos perdidos dos bastidores. Denotando a inconsciência, essa sim grave, da relativa irrelevância de todo aquele bramir, pois o debate político se deslocou para fora do parlamento, principalmente para a imprensa - esta muito untada e ungida por fundos estatais e para-estatais.
Mas ainda assim esta redução do debate entre a assembleia e o governo que dela emana é bastante surpreendente. Acima de tudo por duas razões, parece que esquecidas: o governo é minoritário - ainda que, de facto, não o pareça, tamanha a placidez com que segue, algemados os parceiros da esquerda, esclerosados os à direita. E porque exactamente nesta semana foi aprovada pela União Europeia uma (inédita) gigantesca modalidade de apoio ao país, a ser conduzida pelo governo, algo verdadeiramente relevante para enfrentar a enorme crise económica e social em que vive(re)mos.
Assim, escolher exactamente este momento para reduzir - e de forma tão marcante - a presença do primeiro-ministro no parlamento é mais do que tudo símbolo de uma aversão à democracia parlamentar, um fastio face à sua cultura. Algo que é muito mais do que um tique pois denota bem o estado de alma, a mundivisão, das direcções dos dois partidos centrais. Saúdem-se os 35 tipos das suas bancadas que votaram contra. E confortem-se os 5 que se abstiveram, mostre-se-lhes que estão no bom caminho, com um bocadinho mais de compostura ainda arribarão. E aos outros diga-se-lhes, também, o que são ...