O paradoxo de Abril
Há poucas certezas na vida. A morte, os equinócios e a ocorrência de alarvidades em jogos de futebol figuram entre as poucas coisas que podemos dar por certas. Pelo contrário, ano após ano o dia 25 de Abril é uma sucessão de infalibilidades: cravos vermelhos, discursos no parlamento, música de intervenção e, mais recentemente, gente nas redes sociais a partilhar uma entrevista de 2011 onde Otelo Saraiva de Carvalho pede um novo Salazar para Portugal. Mas o dia da liberdade presenteia-nos com outra certeza: o sequestro da data e do seu simbolismo por quem pretende manter feudos de privilégio onde, por definição, a liberdade é intrusa. É o supremo paradoxo: usar o dia da liberdade para combate-la. Este ano, os táxis são os protagonistas e a Uber é o alvo.
Claro que a lei é igual para todos e, por isso, todos a devem cumprir. O que não é tão claro são as razões que levam os taxistas a acusar a Uber de incumprimento. Uma simples pesquisa dir-nos-á que a Uber paga impostos. Aliás, ao contrário do que sucede no sector do táxi, todas as transacções ficam registadas. O Estado agradece e eu, na minha qualidade de contribuinte, também. Percebemos ainda que os veículos associados à Uber dispõem de seguros e pagam licenças (são táxis letra A ou táxis letra T, operadores turísticos devidamente habilitados a fazer transporte de pessoas e empresas de ‘rent a car' que alugam veículos a turistas). Há, no entanto, uma decisão de um Tribunal de Lisboa que suspende a actividade da Uber em Portugal, mas os peticionários erraram no alvo e parece que erraram igualmente nos pressupostos.
Vista a Uber, se olharmos para o sector do táxi veremos que o paradoxo de Abril deste ano se declina noutro. O enquadramento legal do transporte em táxi em Portugal data de 1998, mas tem por base regras e princípios definidos na regulação de 1948. Portanto, para além do empenho em retirar liberdade aos consumidores, os taxistas usam o 25 de Abril para defender princípios estabelecidos pelo regime autoritário que Abril enterrou.