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Delito de Opinião

O palco

José Meireles Graça, 27.01.23

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Não sou católico, a Jornada Mundial da Juventude não me aquece nem arrefece. Salvo pelo facto de a ICAR, no Ocidente esfarelado pelas demências woke originadas nos E.U.A., representar mais vezes sim do que não um polo de resistência ao corte absoluto com o passado e um obstáculo à instalação de sociedades onde toda a gente é livre de dizer o que pensa, se o que pensa couber nos apertados limites do bem-pensismo de esquerda em matéria de costumes, direito de propriedade, ensino, imigração, minorias, poderes do Estado e regime económico.

O investimento para o efeito é de um pouco mais de 80 milhões de euros, divididos pelo Governo e câmaras municipais de Lisboa e de Loures, conforme aqui se diz, além do que gastará a Igreja, que ainda não esclareceu quanto é nem tem de o fazer. Podemos estar certos de que apesar de a previsão ser de 80 milhões o custo total será superior – o Tribunal de Contas em devido tempo, isto é, quando tudo estiver esquecido, fará uma estimativa, em parecer que não comoverá ninguém.

A efeméride terá lucro – este tipo de iniciativas, tal como as sucessivas uebesâmit ou a Expo 98 ou, antes dela, a XVII não sei quê da Arte e Cultura, ou as capitais europeias da cultura (já tivemos Lisboa, Porto e Guimarães e vamos ser contemplados com Évora, Braga, Aveiro e Ponta Delgada – para Paços de Ferreira é que não está previsto nada) dá sempre lucro por causa das externalidades. Neste caso, o responsável, José Sá Fernandes, em raciocínio prudente mas cartesiano, estima que o retorno será de 350 milhões.

O nosso Presidente, em entusiasmado discurso, põe a coisa nos cornos da Lua, e haveria decerto muita gente a partilhar a excitação de Marcelo se este não tivesse tendência a esgotar-se em hipérboles para gabar todo o fait-divers que ilustra a sua versão de patriotismo.

Mas o que verdadeiramente mobiliza a opinião é o palco do evento, que vai custar mais de 4 milhões de Euros, fora as fundações. O palco é cómico e uma incompreensível discrição leva a que não se saiba quem é o autor de semelhante aberração – por mim pensei em Cabrita Reis ou Joana Vasconcelos, que têm inclinação para coisas grandes, caras e horrendas. Já o crismei de skatedromo, e decerto se o conservarem no fim da festa os praticantes daquela modalidade dar-lhe-ão uso intensivo.

Costa, esse, está satisfeitíssimo: enquanto se falar do palco não se fala do desmoronar da sua associação de malfeitores, comummente designada por governo.

Infelizmente, muita gente aproveita o evento não para o inserir na litania de munificências do Estado em prejuízo do contribuinte, mas para exercitar a sua militância anticatólica. E esta atitude serôdia (essa guerra foi a da I República e teve resultados desastrosos) atinge o seu clímax nesta extraordinária argumentação de um reputado constitucionalista: o Estado não poderia gastar um cêntimo com as Jornadas porque a violação do princípio constitucional da separação entre o Estado e as igrejas “consiste na própria edificação de um altar religioso, com cruz e tudo, por uma coletividade pública”.

Fantástico: se a câmara edificasse um palco para um “concerto” de cantautores a trinarem umas mensagens políticas empolgantes enquanto esgaçam desastradamente guitarras, ou para uns actores rebolarem no chão em defesa da interseccionalidade, nada a dizer. Já para os católicos, que são muito mais numerosos do que os apreciadores de má música ou peças teatrais fajutas, nada. Ou, se quiserem alguma coisa, que a paguem eles.

E isto sem falar da dignidade da Igreja Católica e da sua história, que é indissociável da do país, nem da sua acção assistencial, nem do consolo que a sua existência representa para milhões de portugueses.

É possível em termos jurídicos rebater cada um dos argumentos de Vital Moreira. E, para estar em igualdade de condições (o próprio costuma pesporrentar envolto em autoridade), nada melhor do que um constitucionalista – encontram-se com facilidade, para dizer tudo e o seu contrário.

Por mim, estaria disposto a censurar esta despesa se o Estado não fosse o alfa e o ómega de todo o investimento na “cultura”, como tal se entendendo não museus, nem bibliotecas, nem monumentos, nem escolas, nem investigações em humanidades ou arqueologia ou outras indispensáveis, mas o sustento de pessoas que dela se reclamam sem que ninguém lhes compre os gorjeios, as pinturezas, as “instalações” e os delírios, as peças teatrais a que ninguém quer assistir ou os filmes que ninguém quer ver.

O palco, que de toda a evidência é o novo unicórnio da Websummit, tem servido para um mundo de piadas com bom ou mau gosto. Tenho dado o meu contributo, na secção de foleiras. E estou grato por isso, ainda que, como contribuinte, ache carote e entenda que só por um milagre da Senhora ninguém encherá os bolsos. Mas também já “investi” e sustento o CCB, na esperança de que um dia seja convertido para prisão, finalidade para a qual reúne os requisitos, de modo que estou habituado.

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