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Delito de Opinião

O País pode esperar

Pedro Correia, 02.11.15

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Foto Alberto Frias/Expresso

 

Existe legitimidade parlamentar para uma maioria alternativa à formada pelo PSD e pelo CDS, como é óbvio. A questão é que esta existe, a outra por enquanto é só virtual. Vejo-a apenas estampada em títulos da imprensa, nas pregações de alguns comentadores e no comportamento de Catarina Martins, em permanente manobra de antecipação aos comunistas, ao assumir-se desde já como porta-voz das boas novas de um executivo liderado pelo PS.

Ora um país não se governa com títulos de jornais nem declarações nas pantalhas, por mais arrebatadas ou ofegantes que sejam.

 

Não vale a pena fazer esforços dialécticos para contrapor uma maioria virtual, ainda que absoluta, a uma maioria real, ainda que relativa.

De resto, o sistema politico-constitucional português está desenhado para governos com maiorias simples. Seria um enorme passo atrás concluirmos que só executivos com maioria absoluta, daqui para a frente, poderão entrar em funções. Se esta lógica prevalecesse, os executivos de Mário Soares em 1976, de Cavaco Silva em 1985, de António Guterres em 1995 e 1999, e de José Sócrates em 2009 nunca teriam chegado a tomar posse.

 

Um mês decorrido desde a eleição legislativa, quando todos continuamos a discutir cenários virtuais, António Costa já devia ter anunciado ao País que solução real de governo propõe aos portugueses, sem se escudar em porta-vozes de outras cores partidárias.

Afinal Alexis Tsipras, tão elogiado em Janeiro por vários dirigentes socialistas, formou uma coligação em 24 horas entre o Syriza e a direita nacionalista - forças políticas entre as quais aparentemente era muito maior a distância do que aquela que separa o PS do BE e do PCP.

 

Por cá, todas as conversações têm decorrido no segredo dos deuses, à revelia da opinião pública, com avanços e recuos retóricos (os recuos mais relevantes têm vindo da boca do secretário-geral do PCP, que parece demarcar-se de quase tudo, incluindo da existência de uma moção de rejeição conjunta, enquanto o deputado António Filipe recorre à ironia para designar o próximo "governo do PS", como se não houvesse coligação à vista) e claríssimos sinais de desconforto face a uma "frente de esquerda" oriundos do partido fundado por Soares.

Socialistas como Francisco Assis pressentem que Costa está a tomar decisões destinadas a afastar irreversivelmente o partido dos eleitores de centro que sempre votaram PS e querem Portugal governado por uma grande família europeia, sem ver o País empurrado para qualquer dos extremos do espectro político.

Outros, como Fernando Medina, vão deixando sérios avisos à navegação. "Só um compromisso firme com as regras de participação na moeda única e com um governo estável para a legislatura poderá dar ao País garantias de uma boa governação e de reais perspectivas de mudança política", observa o actual presidente da câmara de Lisboa.

Como mais ninguém se movimenta na faixa central, Assis encarrega-se disso. E faz muito bem. A política tem horror ao vácuo. E se existe vácuo neste momento na política portuguesa é ali mesmo, na sequência da fuga de Costa para o flanco esquerdo - não por imperativo de consciência ou convicção doutrinária, mas pelo mais elementar tacticismo com vista à sua sobrevivência política após ter saído derrotado das urnas.

 

Do secretismo das negociações emerge a convicção de que o ex-autarca de Lisboa joga tudo na lógica inversa às prioridades definidas pelos estadistas: em primeiro lugar surge o puro interesse pessoal, logo seguido da conveniência partidária momentânea.

E o País? O País pode esperar.

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