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Delito de Opinião

O novo sistema político.

Luís Menezes Leitão, 14.02.17

Se há alguém que tenha dúvidas sobre a fraqueza que constitui a solução política engendrada por António Costa, o imbróglio em que se envolveu Centeno e especialmente a resposta de Marcelo demonstram-no claramente. Sobre Centeno nada mais há a dizer e a avaliação está feita. Vir afirmar que houve conversas informais, mas não acordo, e que tudo não passou de um mal-entendido, corresponde à velha desculpa esfarrapada de quem não honra a palavra dada, quando António Costa gosta tanto de dizer que ela tem que ser honrada. Querer fazer as pessoas acreditarem que não havia acordo, quando até se colocou um escritório de advogados a redigir leis à medida do presidente da Caixa, que pelos vistos foram depois assinadas e promulgadas de cruz pelos órgãos de Estado, é chamar parvos aos portugueses. Mas a personagem vai se manter no cargo, em homenagem ao "estrito interesse nacional", que determina a abolição de qualquer responsabilidade política. Noutros países há outra concepção do "estrito interesse nacional" que implica não deixar degradar as instituições. Mas aqui, tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.

 

O que é novo, no entanto, nisto tudo é o comunicado de Marcelo, que dá a entender que o Ministro das Finanças se mantém no cargo por decisão sua. Será que Marcelo não conhece o art. 191º da Constituição que diz claramente que não há responsabilidade política dos Ministros perante o Presidente da República? Como se já tinha visto no caso da Cornucópia, Marcelo parece querer assumir-se como chefe do governo, ouvindo explicações dos Ministros, dando-lhes ordens e até os podendo demitir, enquanto que o Primeiro-Ministro assiste a isto tudo sem um protesto, assumindo perante o presidente a posição mais subserviente que alguma vez teve um Primeiro-Ministro de um governo constitucional. Nem nos governos de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes se assistiu a algo semelhante.

 

Há uns anos, quando estava na Guiné-Bissau, houve nesse país uma crise política, porque o Presidente exigiu a demissão de um Ministro e o Primeiro-Ministro recusou-se a fazê-lo, dizendo que a competência era sua, o que era verdade em termos constitucionais. Na altura, discutindo com colegas juristas guineenses, os mesmos foram de opinião que tinha sido um erro o país ter adoptado o sistema político semipresidencial, por recomendação dos constitucionalistas portugueses. Segundo eles, em África o sentimento popular exigia uma autoridade forte, e o povo não conseguia compreender que alguém pudesse ser Presidente e não mandar no governo. Concordei com eles, e por isso não me espantei quando posteriormente Angola alterou a sua constituição, abandonando o sistema semipresidencial, e concentrando o poder executivo no Presidente.

 

O que nunca pensei é que em Portugal o sistema político também pudesse ficar ameaçado por estas sucessivas investidas de Marcelo, a querer assumir competências que manifestamente não tem. Mas o que isto demonstra claramente é a fragilidade política de António Costa. Estando o seu apoio parlamentar em colapso, Antóno Costa precisa do braço do presidente para se manter no arame, pelo que o deixa ingerir-se nas suas próprias competências. Só que em política nem tudo vale a pena, e António Costa deveria pensar se o seu apego ao poder justifica permitir tanta menorização do seu próprio cargo.

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