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Delito de Opinião

O momento decisivo

Luís Naves, 09.02.15

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Mario Vargas Llosa escreve neste texto uma crítica lúcida sobre a crise da zona euro e o momento decisivo que se avizinha. O autor peruano lança uma pergunta crucial: por que razão teriam os espanhóis de pagar pelos erros dos políticos gregos, para além de estarem a pagar os erros dos seus próprios políticos? Esta questão aplica-se também aos portugueses, vítimas dos desvarios que conduziram o país até à beira da bancarrota e à necessidade de um resgate.

Após várias versões, sempre muito elogiadas pelos comentadores nacionais, a Grécia pretende convencer a Europa a aprovar um empréstimo que permitiria congelar a situação até à conclusão de um plano de reestruturação da dívida. Entretanto, não se aplicavam as medidas de austeridade, as quais, ao contrário da lenda, deram origem em 2014 a um orçamento com excedente primário e a uma economia que começa a crescer. Atenas anunciou um programa com medidas de emergência, que pretende acabar com a austeridade, contratar funcionários e devolver verbas cortadas. O plano de Alexis Tsipras é claro: inclui mais despesa pública, reverte o que já foi conseguido e acaba de vez com as reformas estruturais e com as privatizações. Além disso, os políticos gregos culpam a Alemanha por todos os males e pedem uma indemnização que já foi perdoada em tratado internacional (por razões ligadas à Guerra Fria) e que por isso não passa de um argumento de transferência de culpa, para consumo interno. O plano grego pode ser descrito desta forma: não queremos dinheiro ligado ao resgate, queremos dinheiro incondicional, só depois conversamos; prometemos cumprir as regras, mas nas calendas gregas; até lá, não cumprimos.

Se isto fosse aprovado pelos europeus, só os gregos ganhavam. Para os outros, as consequências seriam desastrosas. O euro perderia credibilidade e nenhum país teria motivos para cumprir o tratado orçamental. Os efeitos políticos levariam, a prazo, ao estilhaçar da UE. Nos países resgatados, os respectivos governos teriam mentido aos eleitores. Passos Coelho e Mariano Rajoy perderiam as eleições de forma catastrófica. O público iria concluir que Podemos e Bloco de Esquerda tinham razão, que era possível acabar com a austeridade e expulsar a troika, renegociar a dívida e não pagar. No fundo, todos os sacrifícios eram reversíveis e teriam sido inúteis. Em França, Marine Le Pen veria confirmadas as suas teses anti-europeias e anti-austeridade. Os esforços dos reformistas eram derrotados, o Reino Unido antecipava a sua saída da UE. O princípio do benefício do infractor, inaceitável num simples jogo de futebol, era aplicado numa zona monetária sem união política. A zona euro estava condenada.

 

 

Como lembra Vargas Llosa no texto de El Pais, a Alemanha absorveu a RDA sem ajuda. O autor podia ter acrescentado que nos anos 90 ninguém auxiliou a Finlândia a sair da brutal recessão em que tinha caído. No futuro, ambos seriam forçados a pagar as dívidas de países terceiros, mas sem controlarem as condições dessa ajuda ou sem poderem mudar as elites políticas corruptas e incompetentes dos devedores. Tudo se invertia: os credores não teriam maneira de impor rigor orçamental aos deficitários e estes tinham maneira de impor aos credores o perdão das suas dívidas. Na crise seguinte, os resgates seriam impossíveis, pois nenhum governo ajuizado iria entregar dinheiro a governos sem vontade de devolver os empréstimos.

Holanda, Alemanha ou Áustria seriam progressivamente vítimas de rebeliões populistas e anti-euro, alimentadas pelo descontentamento do eleitorado, que não aceitaria pagar pelos erros de uma classe política estrangeira, ainda por cima irresponsável. Se ratificasse tal acordo, o governo finlandês perdia as eleições. Na Eslováquia e nos países bálticos haveria crises políticas, pois o salário médio local equivale a metade do futuro salário mínimo da Grécia. Os países mais competitivos teriam forte incentivo para abandonar a zona euro. Mais tarde ou mais cedo, um cenário de capitulação europeia daria origem à saída da própria Alemanha. O pesadelo tornava-se francamente mau a partir desse ponto. Para evitarem uma Europa liderada pelos alemães, os críticos da austeridade teriam uma espécie de ‘Europa’ sem a Alemanha.

 

Considerando o risco de desagregação da UE associado a uma das opções sobre a mesa, julgo que nos próximos dias o plano grego deverá ser rejeitado pelo Eurogrupo e pelo Conselho Europeu. Não se vislumbra um eventual compromisso. O governo Tsipras não quer recuar e não poderá aplicar as medidas do governo anterior, nem sequer numa versão suavizada. A rejeição do resgate é a sua única opção e tem uma implicação simples: com as taxas de juro a 20%, sem acesso aos mercados e sem financiamento a partir de Março, com a bolsa em queda e os bancos arruinados, Atenas terá de sair da zona euro, a única forma do Syriza aplicar o seu programa radical e da Grécia resolver o insustentável problema da dívida. Com excedente primário e balança corrente positiva, é possível um default organizado e com ajuda europeia, esta última amplamente justificada com o risco sistémico de tal escolha.

O Syriza é um partido de extrema-esquerda, que acredita na mitologia ideológica do seu discurso. A saída da zona euro não faz parte do programa da campanha, pelo que existe a possibilidade alternativa deste governo cair, logo que Bruxelas rejeite a posição grega. No entanto, avaliando o tom dos discursos, parece evidente que Tsipras já tem na cabeça o abandono do euro: só precisa de um bode expiatório e de criar um clima que propicie a saída. Quanto aos europeus, entre o mau e o péssimo, a escolha é evidente.

 

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