O maravilhoso mundo das membranas (1)
Nunca o tinha feito antes, mas gostaria de deixar pela primeira vez uma explicação sobre a minha área de trabalho: tecnologia de membranas. Tentarei descrever um pouco do que se trata e quais as aplicações. Não sei, no momento em que escrevo, se sairá apenas um post ou vários (provavelmente será este o caso). Seja como for, penso que será uma lufada de ar fresco (para mim) sair dos temas políticos e escrever por uma vez sobre um tema que me fascina.
Imagem de uma membrana porosa feita com um microscópio electrónico. Na parte superior da imagem está a superfície da membrana e na parte inferior a estrutura interna vista por corte transversal.
1. O que é uma membrana?
Comecemos por esclarecer que as membranas de que falo são membranas sintéticas, ou seja, produzidas - sintetizadas - pelo Homem. As membranas celulares partilham muitas das características que descreverei (falarei talvez um pouco delas a certa altura) mas são consideravelmente mais eficientes e estruturalmente diferentes das que os humanos produzem. Noutras situações, há quem se refira a membranas ou difragmas de forma alternada. A nomenclatura não estará errada em determinados campos tecnológicos, mas diafragmas são barreiras frequentemente absolutas, não permeáveis dentro das condições utilizadas. São por exemplo utilizadas como uma barreira flexível em bombas (das que bombeiam, não das que explodem) e não se pretende que deixem passar componentes.
Dado este exemplo, explico aquilo que a maioria identificará como uma membrana: um filtro de café ou de chá. É essencialmente um material feito para permitir a passagem de água e aquilo que nela esteja dissolvido (os componentes do café ou chá) e reter os materiais sólidos que ficam atrás. É portanto uma barreira semi-permeável, isto é, permeável aos líquidos e não permeável aos sólidos. De certa forma poderá dizer-se que todos os filtros são membranas de algum tipo. Só que quando se fala em filtros - termo técnico genérico - estamos a falar de membranas que separam muitas vezes objectos visíveis a olho nu ou um pouco mais pequenos. Começa a falar-se de membranas quando se usam filtros mais finos, que separam apenas no domínio de objectos microscópicos, nanoscópicos ou mesmo moleculares. A separação é feita habitualmente através dos poros das membranas ou, no caso das mais densas, através dos espaços entre as moléculas dos materiais que compõem a membrana.
Sendo assim, temos que falar em escalas. Comecemos pela definição dos tamanhos. Este link ajuda imenso a perceber o tamanho das coisas mas coloquemos as coisas assim: 1 m todos sabem quanto é. 1 mm também (aproximadamente um grão de areia). 0.1 mm, a décima parte de 1 mm, é o tamanho mais pequeno que é geralmente possível ver a olho nu e é também a espessura média de um cabelo humano. Começamos a descer na escala e temos 1 micrómetro (µm), que a escala das células. Os glóbulos brancos e vermelhos do nosso corpo têm cerca de 10 e 7 µm respectivamente. Bactérias têm de 1 a 10 µm. Esta é a escala em que se começa a falar de membranas como as descrevo. Descendo ainda mais na escala, temos os maiores virús a 0,5 µm, ou 500 nm (nanómetros), embora o VIH tenha cerca de 9 nm. Para comparação, as ranhuras nos CD que permitem ler a informação têm cerca de 120 nm, ou seja, seria possível colocar 13 VIHs em cima uns dos outros até chegar ao topo. O comprimento de uma molécula de ADN é de 3 nm enquanto os famosos nanotubos de carbono têm 1 nm de espessura. Nesta fase ainda não chegámos aos limites daquilo que uma membrana pode separar, mas o tamanho começa a ser algo de relativo. Uma molécula de água tem cerca de 0.28 nm, ou 280 pm (picómetros, ou seja, 0,000000000001 metros) e um átomo de carbono tem 70 pm. Há quem fale na unidade Angstrom, ou Å, (0.1 nm ou 100 pm) para falar de tamanhos de átomos ou ligações entre eles. Um átomo de hidrogénio, o mais pequeno que existe, tem cerca de 25 pm. Há, no entanto, que referir que estes tamanhos atómicos são muitas vezes médios e relativos, sendo as distências entre átomos numa molécula.
Nas membranas, o tamanho a que paramos de falar em tamanhos com medidas de comprimento é por volta dos 10 a 50 nm. Para baixo disso falamos em massas moleculares, que são mais fiáveis que comprimentos. A certa altura também deixamos de nos referir a uma separação entre componentes usando apenas o tamanho (maior que x é retido e menor que x passa pela membrana) e começamos a usar a química de cada componente para distinguir quais passam a membrana e quais não o fazem. Explicarei estas distinções mais tarde na sequência.
Voltando à pergunta inicial, o que é uma membrana?, respondo que é uma barreira semi-permeável, que deixa passar alguns componentes mas não outros, baseando essa selectividade nos tamanhos dos ditos componentes, nas suas propriedades químicas e físicas e nas concentrações em que estão presentes. São produzidas a partir de polímeros com propriedades diferentes, dependendo dos objectivos; de materiais cerâmicos; e de, em alguns casos, de metais. Assumem formas distintas, sendo as mais comuns a de folha plana (como o papel) ou o tubo (em diversos tamanhos). São usadas para purificar água (a principal aplicação), intensificar processos físicos e químicos ourecuperar ou purificar gases. Estão presentes nas células de combustível (de hidrogénio) e são a parte central dos equipamentos de diálise. As suas utilidades aumentam constantemente, sendo hoje usadas para o transporte de frutos embalados (para deixar passar gases de forma controlada), pensos (protegem feridas e deixam passar oxigénio), testes médicos, ou pulmões artificiais. e é sobre isto que irei escrevendo à medida que o tempo e a disponibilidade mo permitam.