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Delito de Opinião

O local mais espaçoso no Metro de Lisboa

Diogo Noivo, 14.02.17

Em Lisboa, ficar em casa é um acto de rebeldia. Exposições modernaças, bares trendy, restaurantes étnicos, arquitectura (ou arquitetura?) desempoeirada, lançamentos de livros de dietas detox, lançamentos de lojas, lançamentos de “conceitos”, enfim, uma canseira de solicitações. Só ao Tejo é que ninguém se lança – já não se fazem portugueses como o Marcelo, o que, pensando bem, não é mau de todo.
Lisboa está na moda, Lisboa é sexy, Lisboa é cosmopolita. Desde que não seja para viver e trabalhar. Sobre as digressões cosmopolitas da capital muito há a dizer, começando pelos “happenings” e pelos “conceitos”, na sua maioria cópias baças daquilo que se faz noutras paragens. No entanto, o drama está no penoso quotidiano.
Regressado de Madrid, onde desta vez vivi cerca de um ano, as diferenças no dia-a-dia são esmagadoras. Na capital espanhola consigo tratar da minha vida usando os transportes públicos, em particular o Metro. Profissionalmente, mesmo que num só dia tivesse de estar em três ou quatro sítios diferentes, o Metro dá abasto. Para as coisas mundanas, como ir ao supermercado, ia a pé. Ao contrário do que sucede em Lisboa, Madrid mantém o comércio local vivo. Em todos os bairros da cidade há supermercados, farmácias, pastelarias, lojas de informática, livrarias, ginásios, cabeleireiros, lojas de roupa, restaurantes, enfim, tudo o que faz falta. Em matéria de acesso à cultura, voltamos aos transportes públicos. Cinema, teatro, livrarias grandes ou especializadas, todos têm uma estação de Metro por perto. Não conheço na cidade de Madrid um único trajecto que se percorra com maior rapidez e conforto de carro do que em transportes públicos. Já em Lisboa conheço vários.
É verdade, as estações de Metro em Madrid são feias, algumas causam mesmo repulsa. Pelo contrário, as de Lisboa são verdadeiras obras de arte. Reconhecida a diferença, importa salientar um aspecto relevante quando falamos de transportes públicos: o Metro de Madrid funciona. O metropolitano da capital espanhola apostou na dimensão e na funcionalidade da rede, a segunda mais extensa na Europa. O de Lisboa apostou na imagem. Em hora de ponta, o intervalo de tempo entre metropolitanos em Madrid ronda os 3 minutos. Em Lisboa, também em hora de ponta, o intervalo de tempo oscila entre os 5 e os 15 minutos, isto quando não temos as célebres “perturbações de linha” – eufemismo para o muito português “desemerdem-se”.
Dir-me-ão que as coisas por Madrid também não são fáceis, ao ponto de ter sido necessária a contratação de empurradores. Certo, mas isso só demonstra o quão eficazes são por lá: Lisboa não tem empurradores, mas devia. O grau de intimidade entre estranhos proporcionado pelo Metro de Lisboa em hora de ponta está à beira de desafiar as noções mais lassas de libertinagem. Mas até nem é mau dar por mim nessa situação. Não porque seja um tipo devasso, mas porque é sinal de que consegui entrar na carruagem. Depois de uns bons 15 minutos de indagações anatómicas mútuas e forçadas, que inevitavelmente levam a comparações, quase sempre desfavoráveis à minha pessoa, lá chegarei ao meu local de trabalho sem grande atraso. Amaçado, com a paciência na reserva, com odores no corpo que não são os meus (por princípio, não me oponho a ter no corpo odores de terceiros, mas ao menos que me paguem um copo primeiro), exausto, mas a horas.
Nada disto parece interessar. O que importa é que a cidade é famosa. E o Metro de Lisboa “é nosso”, novamente público, livre do jugo capitalista previamente autorizado por uma infame concessão a um nefando privado. Se o regresso ao perímetro público traz dificuldades, paciência, é o preço a pagar. Além do valor do passe, claro. Bom, o valor do passe é claro, mas a correspondente factura tem uma tonalidade tão escura que nauseia.
Aqueles que pugnaram por um Metro público, ignorando por completo a sua funcionalidade, eficácia e o serviço prestado aos passageiros, deveriam meter as suas ideias no mesmo sítio onde eu meteria a minha pasta se eles viajassem ao meu lado. Ainda que por definição seja um sítio aconchegado, é mesmo o único local com espaço num Metro lisboeta em hora de ponta.

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