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Delito de Opinião

O jornalismo "de referência"

jpt, 10.04.24

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No decadente contexto da imprensa portuguesa o "Público" continua a receber o estatuto de "jornal de referência". Como seu antigo leitor dele tenho uma experiência que me leva ao sorriso. Durante as duas décadas que vivi em Moçambique no jornal fui vendo vasto rol de dislates sobre o país - muitos deles produzidos durante e após reportagens longas. Não se tratava apenas do efeito de um olhar enviesado (a patetice "lusófona", o paternalismo bacoco, o "póscolonial" de algibeira, o "exotismo" de pacotilha, etc...), mas também de apatetados erros factuais. Sobre algumas dessas asneiras fui escrevendo em blog. Entretanto, desde há largos anos que no jornal se sedimentou uma "célula" de "activistas" "decoloniais", que sobre África - a pouca "África" a que alude -, e a "afrodescendência", vai vertendo um "jornalismo" demagógico, para isso cooptando "colaboradores" entre os "activistas académicos", mais frenéticos das causas identitaristas, e ecoando os desbragados rugidos dos políticos esquerdistas que se alimentam dessa retórica. E recordo, como ilustração deste rumo, o desvelo com que no jornal foi tratada a deputada Moreira do partido LIVRE.

Mas para além desse viés ideológico continuam os mais simples e rasos disparates e desatenções. Ainda há pouco tempo o "Público" se "esqueceu" de noticiar o assassinato do jornalista moçambicano João Chamusse - e eu permito-me aventar o barulho que aquela redacção teria feito se um jornalista negro tivesse sido assassinado num qualquer país europeu ou um "pardo" no Brasil... E não só se esqueceu de o fazer como se atreveu a permitir que o seu "provedor de leitores", José Alberto Lemos, tivesse o desplante de vir mentir aos seus leitores - como aqui referi - fundamentando essa "falha" na ausência de informação proveniente da LUSA (uma falsidade, agredindo colegas de profissão) e no facto de apenas um jornalista do "Público" escrever sobre temas africanos, o reconhecimento da indigência vigente.

Mas nada disto obsta a que o jornal continue a receber o benevolente estatuto "de referência". Decerto porque mantém um leque de doutores, ali elevados a colunistas ou consentidos como meros colaboradores avulsos, que escrevem as suas "opiniões", ou seja, ali "produzem opinião pública" em função de agendas políticas. 

Cada vez que eu resmungo sobre mais um disparate profundo, um rumo mais demagógico, um olhar mais vácuo, seja sobre Moçambique ou sobre África em geral, logo alguém - usualmente jornalista, ex-jornalista, ou boa alma - socorre aquela indigência, fundamentando-a no estafado estado da imprensa escrita, carregada de profissionais subremunerados, estagiários sobreexplorados e de remanescentes veteranos supraexauridos. E assim assoma a piedade, esta feita factor de manutenção do tal epíteto "de referência" e, como tal, também da credibilidade dos disparates "decoloniais" do "Público".

Enfim, hoje de madrugada um amigo de Maputo envia-me por Whatsapp esta foto, reproduzindo um artigo de página inteira dedicado à actualidade política moçambicana, país no qual se debate sobre as personalidades que concorrerão à liderança dos grandes partidos e às eleições presidenciais deste ano.

O artigo estrutura-se sobre a ascensão dos filhos dos antigos presidentes da Frelimo à liderança dos dois grandes partidos moçambicanos - indiciando esse factor como situação denotativa. Por um lado Samora Machel Jr. (dito Samito), aventado como futuro presidente do Frelimo, filho de Samora Machel, primeiro presidente do país.

Por outro lado, Venâncio Mondlane, um já veterano político, deputado, antigo candidato ao conselho municipal (a nossa câmara) de Maputo. E no artigo publicado no jornal "de referência" dito filho de Eduardo Mondlane, primeiro presidente da então Frelimo. 

Acontece que Pedro Nuno Santos não é filho de Almeida Santos, Sérgio Sousa Pinto não é filho de Mota Pinto, Jerónimo de Sousa não é irmão de Marcelo Rebelo de Sousa, nem Pedro Passos Coelho sobrinho de Jorge Coelho. Tal como Venâncio Mondlane não é filho de Eduardo Mondlane, e até nasceu 5 anos depois da morte deste... E não há piedade suficiente para aturar disparates destes. Principalmente num jornal "de referência" que depois nos quer "ensinar" a urgência de um olhar "póscolonial" sobre África. E sobre nós-mesmos. E se não há piedade suficiente para isto também não há paciência para os tontos que continuam a fazer as mesuras ao tal "jornal de referência".

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