O homem que pintou o País de cor-de-rosa
António Costa
Diziam que o rumo da economia iria travar-lhe o passo. Juravam que a gestão errática da pandemia, deixando a descoberto inúmeras fragilidades do Serviço Nacional de Saúde, apressaria a sua remoção de cena. Houve até quem antecipasse que seria ele a principal vítima do fim da geringonça, que afinal só lhe serviu para decapitar os antigos parceiros situados à sua esquerda.
Todos estes vaticínios estavam errados. António Luís Santos da Costa, 60 anos, volta a demonstrar que tem sete vidas políticas e possui o talento de transformar cada aparente obstáculo em nova oportunidade para seguir em frente. Sai muito robustecido da eleição de 30 de Janeiro. Desta vez ninguém dirá que venceu «por poucochinho», para usar a expressão que ele próprio celebrizou, visando António José Seguro após as europeias de 2014, no início daquilo que seria a sua escalada para o poder, primeiro no partido e logo depois no país.
Poder que agora se tornará tendencialmente absoluto. Até nisto Portugal anda de passo trocado com a maioria dos países europeus, em que a existência de governos de coligação é regra dominante. Costa emerge do escrutínio de domingo sem necessidade de satisfazer qualquer exigência fora do reduto socialista. Com mais 350 mil votos do que os obtidos em 2019 e um reforço de 5,4 pontos percentuais nas urnas, vê aumentar o seu grupo parlamentar de 108 para um mínimo de 117 deputados (faltam apurar quatro), dobrando o Cabo das Tormentas dos 115 que fez afundar o seu amigo António Guterres no pântano de 2001.
Acaba de conquistar a maioria absoluta que nenhuma sondagem previu – muito menos aquelas que batiam na tecla do «empate» ou até anteviam uma hipotética vitória do PSD que nunca pairou no horizonte. Com o mapa nacional hoje pintado de cor-de-rosa, promete um governo «mais enxuto» que terá como meta imediata a gestão da chuva de milhões que Portugal vai receber ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência. Mantém uma galeria de quatro presumíveis sucessores em segundo plano nas fileiras socialistas: todos lhe serão úteis, cada qual à sua maneira. Ei-lo dono e senhor do calendário político. Fiel ao mandamento que o acompanha há quatro décadas: o poder não é para contemplar, mas para exercer.
Colhe os frutos da persistência e das circunstâncias felizes que sempre lhe moldaram o percurso. Nenhuma lhe foi tão útil, nos anos mais recentes, como ter um opositor chamado Rui Rio que se apressou a suprimir os debates quinzenais de fiscalização do Governo na Assembleia da República sob a alegação de que era importante «deixar o primeiro-ministro trabalhar» e afirmava querer chegar ao poder «para dialogar com o PS em nome do interesse nacional».
Parece anedótico, mas é um caso sério. Porque, a prazo, nenhuma democracia sobrevive sem uma oposição sólida e credível. A ausência de alternativa a António Costa não será apenas um problema do PSD, que sai ainda mais fragilizado destas legislativas: pode tornar-se um problema do país.
Texto publicado no semanário Novo