O historiador e o pára-quedista
Estranhei um artigo de Rui Ramos, ontem publicado no Observador, que é um autêntico panegírico a André Ventura. Estranhei porque considero haver um fosso intelectual entre o historiador e o pára-quedista do PSD em Loures, que ali faz uma espécie de tirocínio para outros voos.
O problema de Ventura, ao contrário do que é referido nesse artigo, está muito longe de se circunscrever à questão dos ciganos - o que já bastaria para o desqualificar como candidato autárquico de um partido que não pertence às franjas do sistema democrático.
Ventura é também um assumido defensor da prisão perpétua, do trabalho compulsivo de presos e da castração química de certos delinquentes, além de não lhe repugnar a pena de morte. Está portanto em oposição aberta não à gestão comunista em Loures - que aliás contou com a colaboração activa do PSD nestes quatro anos - mas ao Código Penal.
Algo insólito, num jurista.
Mais um motivo para este artigo de Rui Ramos me causar estranheza. O autor chega ao ponto de reduzir, sem ironia, as 308 eleições autárquicas de domingo a um "referendo sobre André Ventura em Loures": julgo que nem o próprio bafejado por estas palavras iria tão longe acerca de si próprio.
São palavras pelo menos tão deslocadas da realidade como a suposta "inteligência e sofisticação" do candidato assim descrito pelo historiador, que o eleva à condição de "herói de cidadãos fartos do concurso de misses do politicamente correcto”.
Reflecti nestas palavras. E acabei por concluir que esta peça no Observador, mais do que enaltecer Ventura, visa quem ousou criticá-lo internamente. Com destaque para Assunção Cristas e Teresa Leal Coelho, que na sequência imediata das afirmações iniciais de Ventura se demarcaram o mais possível dele. Ao ponto de a líder do CDS ter declarado fim unilateral à coligação pré-eleitoral com o PSD em Loures.
Aparentemente, Rui Ramos inclui a presidente do CDS e a vice-presidente do PSD entre os membros da "oligarquia política" que, à direita, "embora não tendo aderido ainda ao PS, já são inofensivos". Este raciocínio terá muito menos a ver, portanto, com o putativo "plebiscito" de Loures do que com os ajustes de contas e a recomposição de forças à direita do PS que se prenuncia após a soma dos 308 escrutínios de domingo.
Acontece que para esse filme o contributo de Ventura será residual ou mesmo nulo. O que o ex-director de campanha de Luís Filipe Vieira ambiciona é a presidência do Benfica. Loures, onde caiu de pára-quedas, serviu apenas de isco para o "herói" de Rui Ramos ganhar um palco mediático extra-futebol. Como podia ter sido Sintra, "única terra que verdadeiramente [o] apaixona", como chegou a confessar numa entrevista.
Ou Cascalheira de Cima ou Alguidares de Baixo. Para o caso tanto faz.