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Delito de Opinião

O guarda-chuva de Chamberlain

Pedro Correia, 06.11.19

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As primárias do Partido Democrata norte-americano, em 1960, foram extremamente concorridas. Entre os candidatos, destacavam-se John Fitzgerald Kennedy – representante da elite da Nova Inglaterra, sofisticada e liberal – e Lyndon Baines Johnson, um texano até à medula, representante da chamada "América profunda", com raízes rurais e esclavagistas.
Estava em causa a escolha do nome que iria apresentar-se contra um candidato forte: o republicano Richard Nixon, vice-presidente do inquilino cessante da Casa Branca, Dwight David Eisenhower.
Kennedy e Johnson, cada qual apostado na vitória, esgrimiram argumentos e trocaram ríspidas acusações durante esta animada campanha interna, que culminou na convenção de Los Angeles em Julho de 1960. A dado momento, Johnson – que era o líder dos democratas no Senado – atacou John Kennedy em termos pessoais, não poupando sequer o pai do seu rival, o milionário Joseph Patrick Kennedy, que quando foi embaixador dos Estados Unidos em Londres, entre 1938 e 1940, revelou alguma simpatia pela Alemanha nazi.
«O meu pai nunca andou a segurar no guarda-chuva de Chamberlain», disparou Johnson, aludindo ao primeiro-ministro que capitulou perante Hitler em Munique. O que revela bem até que ponto o debate aqueceu nessa convenção do tudo-ou-nada.
 

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Kennedy conquistou a nomeação democrata – com 806 votos dos delegados, contra 409 recolhidos por Johnson e 287 distribuídos por vários outros concorrentes, entre os quais Adlai Stevenson, Hubert Humphrey e Stuart Symington. E logo o primeiro gesto público que assumiu, aliás incompreendido à época por vários colaboradores, foi estender a mão ao seu principal rival no interior do partido, convidando-o a ser o candidato à vice-presidência.

Uma aposta que valeu a pena. Em Novembro desse ano, a dupla John Fitzgerald Kennedy-Lyndon Baines Johnson bateu os republicanos por margem muito escassa: cerca de 110 mil votos. Sem a junção dos dois nomes complementares, concluem hoje os historiadores sem sombra de dúvida, a derrota dos democratas teria sido inevitável.

Apeteceu-me fazer esta digressão histórica para assinalar o contraste entre dois modos muito diferentes de estar na política: o que Kennedy revelou em 1960, superando até agravos pessoais, e o de políticos contemporâneos, nomeadamente em Portugal, que preferem subtrair em vez de somar. Como se o verdadeiro adversário estivesse intramuros e não no exterior. E como se não precisassem de cada militante nos combates eleitorais. Vivem obcecados com o guarda-chuva de Chamberlain, que nunca protegeu ninguém contra intempéries políticas.

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