O grão de ervilha e a bola de neve
Há muitas incertezas no horizonte. Mas de uma coisa podemos ter a certeza desde já: o próximo ano político vai decorrer em ritmo muito acelerado. Pouco propício, portanto, àqueles políticos que adoram colher benefícios máximos da gestão do silêncio enquanto permanecem mergulhados em dúvidas dignas do príncipe Hamlet, convictos de que os jornais "amigos" não deixarão de desbravar caminho por eles com uma sucessão de não-notícias, capazes de transformar um grão de ervilha numa descomunal bola de neve.
Na não-notícia, como se infere, o não é palavra fundamental. "Beltrano de Tal não desmente que possa avançar para o cargo X, informação que nos foi transmitida por fontes próximas. Beltrano, ao que sabemos, não se tem revisto nas opções políticas de Fulano Y embora opte por não entrar em ruptura com o dito cujo. Os seus mais destacados apoiantes não excluem uma candidatura ao posto de comando embora não haja ainda a certeza de quando e onde e como isso possa suceder."
Fica aceso o rastilho.
O curso habitual destas não-notícias é aquele que todos sabemos: com três canais informativos a emitir durante 24 horas e à míngua de matéria para preencher antena nos intervalos dos desafios de futebol, qualquer pequeno ruído mediático, amplificado por incessantes ecos de hora a hora, ganha os contornos de uma Cavalgada das Valquírias. O grão de ervilha numa coluna matutina de jornal transforma-se na bola de neve a rolar em horário nobre das pantalhas nessa noite.
Este processo, que poderia colher frutos noutros tempos, torna-se inconsequente em anos de acelerado calendário político, como 2024 sem dúvida será. Um ano pouco propício às dúvidas hamletianas de gente sempre tolhida nas teias do seu próprio tacticismo. Quem quiser ir a jogo terá de assumir-se como tal, à esquerda e à direita, sem subterfúgios. Caso contrário, o xadrez político jogar-se-á com as peças que estão no tabuleiro.
As que não estão, estivessem.
Imagem: Laurence Olivier em Hamlet (1948)