O futuro depois dos primeiros cinquenta anos *
O regime democrático que só foi possível construir depois de 74, celebra este ano meio século. É uma bela idade.
Com os pés nos dias de hoje e olhando para aquela madrugada tão esperada, para aquele dia inicial inteiro e limpo, assim magistralmente descrito por Sophia de Mello Breyner, observamos uma incrível viagem, cheia de expectativas e esperanças, de sustos e sobressaltos e também de realizações e conquistas.
Estava redondamente enganada a brigada do reumático do tempo de antigamente, que não nos julgava capazes nem com maturidade para sermos livres. É claro que nem sempre escolhemos bem, mas essa é também uma das maravilhas da democracia. Tal como na vida, por vezes só se aprende depois de bater com a cabeça na parede e há conclusões inalcançáveis à primeira tentativa.
O mundo de hoje é muito diferente do de então. A actualidade assusta-nos, mas só quem não viveu nos idos de 70 e 80 do século passado, na iminência de um fim do mundo termonuclear é que pode acreditar que as dores de hoje nunca antes foram sentidas. A divisão do mundo em dois blocos de então deu lugar a um mundo multipolar de alianças de geometria variável que leva a que alguns países colaborem numa região do globo e ao mesmo tempo se combatam por procuração noutra. O nosso mundo, o mundo de Portugal, é o mundo aberto. A geografia e a identidade fizeram de nós membros de pleno direito do que se designa por Ocidente. A história e a aventura fizeram de nós a quinta língua mais falada e, por isso, capazes de comunicar em qualquer canto do mundo. E isso é um incrível super-poder.
O Portugal de hoje é também muito diferente do de então. Nestes cinquenta anos, quase que triplicaram os portugueses com mais de 65 anos, o que sendo positivo em termos civilizacionais, faz com que o futuro tenha perdido peso político. É da natureza das coisas que os eleitores mais velhos privilegiem os benefícios imediatos ao invés das expectativas futuras. Por isso, é preciso perguntar como é que hoje se podem garantir políticas de longo prazo. Não é apenas a luta pelo ambiente que encaixa nesta lógica, são também as dívidas contraídas hoje, para melhorar as próximas sondagens, que condicionarão as decisões futuras. O filósofo espanhol Daniel Innerarity compara o colonialismo territorial de outros tempos, em que se retiravam benefícios sobre os “de fora”, com o colonialismo do futuro, em que se retira benefícios sobre os “de depois”. Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos EUA, questionou-se se não se deveriam rever todas as leis ao virar de cada geração. Se cada nova vaga de cidadãos é como se uma nova nação emergisse, qual a legitimidade de lhe impor leis lavradas por terceiros?
A emigração jovem, que não pára de aumentar, agrava este desequilíbrio. Dizem-nos que demograficamente, e nas transferências para a Segurança Social, os imigrantes que recebemos compensam os que saem, mas se esses jovens estrangeiros não podem votar, como é que os jovens portugueses poderão ter uma palavra efectiva nos destinos do país?
* Texto publicado no jornal O Portomosense