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Delito de Opinião

O futebol de Trichet e Da Vinci

João André, 14.07.16

O Pedro Correia escreveu dois posts sobre o europeu e Portugal e zurziu nas carpideiras portuguesas que se queixaram da qualidade ou beleza do jogo da selecção nacional. Como eu pertenço a este grupo, gostaria de deixar umas linhas sobre o assunto.

 

 

Há um aspecto intermédio que é necessário clarificar. Jogar bem não é o mesmo que jogar um futebol atraente. Mesmo a beleza do jogo depende de quem o veja. O tiki-taka espanhol, no seu apogeu, era profundamente aborrecido para muitos (entre eles eu) e fiquei fascinado quando Mourinho estacionou dois super-petroleiros em frente da baliza na famosa final contra o Barcelona (mas não quereria ver isso todos os dias). Portugal teve um futebol feio, mas foi de qualidade. Qualidade é medida no resultado das acções que nos predispomos a fazer. Portugal quis defender e fê-lo bem. Quis contra-atacar pela certa e fê-lo bem. Isso é também qualidade.

 

Note-se que concordo com o Pedro, mesmo quando tenho uma posição diferente. No fundo, a discordância que eu tenho será semelhante à política: somos capazes de analisar os factos da mesma forma, concluir o mesmo mas termos abordagens diferentes aos problemas. É também isso que faz a diferença na política e na ideologia. Neste caso a ideologia é futebolística e a única coisa que lamento no Pedro é ser sportinguista, mas ele sabe melhor que a maioria que ninguém é perfeito.

 

Brincadeiras à parte, avancemos. Uma coisa que eu sempre disse (e penso ter escrito, se não em posts, pelo menos em comentários) que preferiria uma equipa portuguesa a jogar um futebol atraente e perder nos oitavos ou quartos de final do que jogar mal e sair nas meias finais. A minha posição partia de uma ideia simples, mesmo que errada: Portugal não conseguiria vencer um torneio e por isso mais valia entreter do que tentar ingloriamente vencer.

 

Eu tinha desenvolvido esta posição nos tempos de Scolari, em que Portugal chutava mais os adversários que a bola e tinha criado anti-corpos que desbaratavam todo o capital de simpatia que a selecção tinha criado em 1996, 2000 e 2004 (sem falar no passado). Ness altura defendi que se era para jogar um futebol feio e antipático, que ao menos fossem campeões. Claro que haverá quem defenda e com boas razões que Portugal era simpático por jogar bem mas fazer o favor de perder quando jogasse contra as potências europeias (excepções: Inglaterra e Holanda). Contudo, depois de ver Portugal a não vencer o futebol com o futebol rendilhado de 2000 e 2004, o rendilhado musculado de 2006  ou o futebol cínico de 2010 ou misto de 2012, eu tinha-me resignado a preferir ver as rendas. Sempre me entretiam.

 

A vitória de Portugal complicou estas minhas posições. Fernando Santos acabou a fazer aquilo que eu não esperaria. Portugal venceu pela primeira vez um troféu. Agora não sei se devo rejeitar a minha posição anterior, apenas aceitar que a excepção faz a regra ou simplesmente dizer que, com o borrego no papo, podemos agora beber o vinhinho, frutado e doce, e pedir futebol bonito.

 

A decisão, felizmente, não é minha. É de Fernando Santos, talvez da federação e de alguns jogadores mais seniores na equipa. Muito dependerá da qualidade dos jogadores à disposição de Fernando Santos e dos objectivos que lhe sejam propostos. Devemos no entanto aceitar que esta vitória não nos atira para a lista das potências europeias no futebol e que o diálogo entre estetas e tecnocratas deve continuar. Pessoalmente gostaria de ver Portugal a voltar ao futebol bonito. No entanto, se é para voltar a estas experiências que quatro dias mais tarde ainda me parecem irreais, estou disposto a aturar mais umas curas para a insónia durante o processo.

 

 

Os meus posts de análise ao jogo da final, ao europeu de Portugal e ao torneio em si.

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