O fim do Blasfémias
O colectivo Blasfémias acabou hoje, após 18 anos. Acaba mal, num texto ressentido - que não faz jus à animação polemista que aquele blog foi, gostasse-se ou não do seu conteúdo -, invectivando um mundo (ex)blogal, de escribas e leitores, em que "Nada disso tem interesse hoje em dia, desde que todos sucumbiram à comercialização do intelecto através da venda de popularidade em redes sociais dotadas de algoritmos inalcançáveis pela mente humana". Sorrio, pois lembro-me das velhas invectivas da era blogal, aquelas constantes acusações da procura de relevo alheio no então célebre sitemeter, o quase omnipresente contador de visitas dos blogs. Exactamente a mesma coisa resmungada neste final, triste. Para além do invectivar das actuais "redes sociais", propriedades de "czares" - como se as velhas plataformas de blogs (o blogspot, o wordpress, etc.) fossem simpáticas cooperativas sem intuitos lucrativos.
Mas é uma minudência este meu resmungo. O relevante é que o Blasfémias foi um palco importante, agregando uma "nova direita" liberal que surgira desde o início do bloguismo - gente que estava arredada da então "imprensa de referência", como sempre se chama a tudo o que não é "Correio da Manhã" -, parte da qual se veio a alcandorar numa orgânica Iniciativa Liberal. Atentei mais quando se lhe juntou um dos meus bloguistas preferidos, o jcd que animava o Jaquinzinhos (blog que está sem acesso, o que é algo lamentável). Foi implacável com o socratismo, foi ferino com o costismo. E não terá feito fretes ao passismo. Mas acima de tudo foi um dos blogs políticos mais importantes de Portugal - e a história do bloguismo está ainda por fazer.
O final deste "grão-blog" - como sempre gostei de chamar aos líderes do tal "sitemeter" - mostra bem que o blogar deixou de ser "sexy". Há muito que já não serve de trampolim para outros palcos, já não há milhares de visitas diárias, debates, questiúnculas (aqui ainda há um ou outro comentador anónimo a querer respingar, mas isso não aquece quem andou nas furibundas polémicas inter-bloguistas, e até intra-bloguistas, vistoriadas pelo sistema technorati). Nem mesmo convívios, que até seminários e conferências se faziam. Enfim, vão escasseando os interlocutores, reduzindo-se os leitores, migrados para outros suportes ou exaustos de opiniões. Ficamos, os que ficam, no registo que sempre me pareceu ser o disto, o do radioamadorismo: "Isto de blogar é tipo rádio-amador. Quando era miúdo conheci alguns, fechados no sotão cheios de maquinaria a tentar falar/escutar uns tipos que nunca conheceriam. Sempre os achei um bocado malucos. Para agora acabar nisto, numa banda do cidadão com (muito) pouco eco. Coisas do envelhecer, disto da idade?" (23.1.2004). Espaço apropriado para as blasfémias de cada um...