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Delito de Opinião

O factor grego

Pedro Correia, 28.07.15

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A errática actuação do executivo de coligação em Atenas formado em Janeiro pelo Syriza e o Anel - partidos com a eurofobia como único traço identitário comum - começa a ter reflexos nas intenções de voto um pouco por toda a Europa. A experiência de poder da chamada esquerda radical, confrontada com a iniludível crueza dos factos, tem decepcionado uma fatia imensa de apoiantes que ainda há seis meses estavam convictos de que havia uma "verdadeira alternativa" ao Tratado Orçamental na eurozona. E nem preciso de evocar aqui as citações que venho enumerando na minha série Grécia Antiga para ilustrar esta diferença abissal entre os doces desejos e a amarga realidade. Basta recomendar a leitura atenta desta excelente reflexão de Jorge Bateira, insuspeito de simpatias pelo pensamento liberal ou conservador.

"Quando convocou o referendo, Tsipras tinha a obrigação de aceitar o repto da direita e dizer ao povo grego que a experiência de longos meses de negociações falhadas o obrigava a concluir que um “não” implicava a provável expulsão de facto do euro através do BCE. O que se seguiu foi penoso e humilhante. Uma pesada derrota para a esquerda que ainda acreditava na mudança da UE por dentro, uma derrota que terá repercussões negativas nos resultados eleitorais do Podemos em Espanha", escreveu aquele economista, na passada sexta-feira, no jornal i.

Tocou no ponto certo - como aliás ficou bem evidente logo dois dias depois, na sondagem divulgada este domingo no El País  sobre as intenções de voto dos espanhóis nas próximas legislativas. Os números demonstram uma queda abrupta do Podemos: dez pontos percentuais num semestre (28,2% em Janeiro, 18,1% em Julho) e mais de três pontos num só mês (em Junho tinham 21,5%).

 

Questões de âmbito interno ajudarão a explicar este recuo da esquerda radical espanhola, que há 14 meses irrompeu na cena política conquistando mais de um milhão de votos nas europeias. Com um líder telegénico, Pablo Iglesias, e um programa que mistura marxismo e populismo em doses bem estudadas, o Podemos prometeu "revolucionar" a política espanhola e pôr fim à "casta" dominada pelas duas maiores famílias ideológicas, a conservadora e a socialista. No início de 2015 chegou a liderar as intenções de voto.

A queda entretanto registada explica-se em grande parte pelo factor grego, que não deixará de ter também repercussões em Portugal. Nada mais natural, atendendo ao desvario estratégico do executivo de Atenas - que, sabe-se agora, chegou a ter preparado um  plano de abandono unilateral da eurozona que despenharia fatalmente a Grécia no caos financeiro.

Um plano que não avançou, por um lado, devido à escassez de reservas monetárias do país e, por outro, devido ao bom-senso revelado por Moscovo e Pequim: em ambas as capitais, Tsipras e o seu ex-protegido Yanis Varoufakis escutaram palavras cheias de realismo político. A Grécia falida não vale um conflito global com o Ocidente. Sobretudo agora, que a Rússia mergulha na recessão e a queda das bolsas chinesas começa a alarmar o planeta financeiro.

 

Entretanto já se anuncia um novo pacote de austeridade ainda antes de entrar em vigor o terceiro resgate de emergência à Grécia. Tornando ainda mais longínqua aquela demagógica proclamação de Tsipras na noite de 25 de Janeiro, enquanto celebrava a vitória eleitoral: "Vamos deixar a austeridade!"

Palavras prontamente desmentidas pelos factos.

Por tudo isto, o factor grego continuará a pesar na opinião europeia. E ajudará a determinar o desfecho das próximas contendas eleitorais no continente - queiram ou não queiram todos quantos ainda há pouco apontavam o Syriza como bóia salvadora.

Alguns já perceberam que andaram a aplaudir meros vendedores de ilusões. E talvez subscrevam agora o diagnóstico certeiro de Jorge Bateira: "A derrota do governo grego foi causada, em última instância, por uma cegueira ideológica que o impediu de perceber o significado do impasse em que caiu e de, a partir daí, mobilizar o povo grego para a aceitação das implicações últimas da recusa da austeridade."

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