O esbulho fiscal dos salários (2)
Na sequência deste post de há dias, importa referir os seguintes detalhes:
1 - Como foi bem lembrado pelo leitor JgMenos se nos quisermos aproximar do custo real do empregador temos ainda de considerar o facto de que os valores apresentados para salário base serem pagos 14 vezes para 11 meses de trabalho. Como os subsídios de férias e de Natal não incluem o subsídio de refeição não podemos fazer uma proporção directa que nos levaria ao seguinte quadro.
Em qualquer dos casos os valores rondam os 50% com a excepção do caso 4 referente ao SMN. Mas mesmo nesse caso o empregado recebe apenas 60% do custo total do seu empregador.
Importa acrescentar que o factor que tem maior peso nestes cálculos respeita à Segurança Social.
2 – Claro que existem diversas formas que remunerar o trabalhador sem que o estado se aproprie de tamanha proporção de riqueza. O estado sabe disso, e isso acontece de baixo do nariz de todos os Ministros das Finanças. O pagamento de despesas de representação, de quilómetros feitos em viatura própria ao serviço da empresa, assim como o recurso a prémios de desempenho são algumas das formas de reduzir o valor da segurança social. Atalhos idênticos são utilizados para remunerar horas extraordinárias.
Há quase um ano o país quase parou com a greve dos camionistas das matérias perigosas. Algumas das suas reivindicações prendiam-se exactamente com o impacto negativo que essas formas de remuneração têm na sua reforma. O Estado sabe disto e finge que não vê porque teme asfixiar ainda mais a economia. O Estado finge também que não sabe, porque precisa de fingir que alinha nas exigências ideológicas dos seus parceiros. No fundo é um jogo de fingimentos vários e com diferentes direções. Esta não é A causa da estagnação da nossa economia, mas é apenas mais uma das causas.
3 – A remuneração líquida que cada trabalhador recebe será direcionada principalmente para o consumo. Por isso será novamente taxada em IVA, Imposto sobre produtos petrolíferos, Imposto sobre Veículos, Imposto Único de Circulação, Imposto de Selo, Imposto Verde (s/ sacos de plástico), Imposto sobre álcool e bebidas alcoólicas e Imposto sobre o Tabaco. Se depois desta cascata de impostos sobrar algum valor e alguém conseguir adquirir a prestações um imóvel, será ainda devedor do Imposto Municipal sobre Transações e Imposto Municipal sobre Imóveis. Vou aqui saltar outras taxas e taxinhas.
4 - Se as taxas de IRS que explicam parte do fenómeno fiscal indicado no post anterior fossem menores, os trabalhadores veriam os seu rendimento disponível aumentado e assim poderiam consumir e poupar mais. Naturalmente que iriam pagar mais imposto sobre o consumo, o que de ponto de vista fiscal equilibraria a perda de receita de IRS.
Os impostos em geral, pela legitimação da apropriação dos bens dos outros, são a quinta essência da esquerda. Os indirectos, sobre o consumo, por serem muito castigadores de quem mais consome, que são os ricos. Mas mais adorados ainda são os impostos directos, como é o caso do IRS. Estes têm o fascínio irresistível de legitimarem a castração em absoluto das possibilidades de escolha do contribuinte .
A retenção na fonte do IRS baseia-se numa perversa lógica de anestesia fiscal. Depois de sacar dois ou três ou ainda mais milhares de euros por ano a um casal, o Estado “devolve-lhe” com uns meses de atraso três ou quatro centenas deixando-os assim satisfeitos com a safra fiscal desse ano.
5 – A minha proposta que sem a rede de cretinisse do Plano Estratégico do António Costa e Silva poderia parecer idiota:
Tudo isto se passa num “suponhamos”.
Se as duas parcelas de IRS e de Seg. Social (cerca de 50% dos custo suportados pelo empregador) pudessem ser redistribuídas em partes iguais pelo trabalhador e por quem lhe dá emprego, os ganhos sociais e de competitividade seriam imensos. Em primeiro lugar pelo aumento do rendimento disponível que seria especialmente mais significativo nos ordenados mais baixos. Em segundo pela folga de tesouraria que permitiria às empresas reduzir o seu endividamento, investir no crescimento do seu negócio ou então simplesmente sobreviver no cenário de pandemia que vivemos.
Mas, dirão: "Para isso seriam vários milhares de milhões de euros para equilibrar o OE". E é verdade.
Mas faria mais sentido oxigenar a tesouraria das famílias e das empresas, numa medida desta natureza, consumindo parte da ajuda europeia que nos é destinada, ou será melhor torrar esses fundos europeus no megalómano projecto do hidrógenio, exactamente no início da sua curva tecnológica, quando tudo é muito mais experimental, mais caro, menos produtivo e menos rentável?