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Delito de Opinião

O Donald

José Meireles Graça, 07.01.21

Cansei-me de, durante o mandato Trump, dizer: Olhem para o que faz, não para o que diz. Isto porque ele tinha meia dúzia de ideias certas sobre a economia, a imigração e as relações com o resto do mundo, enquanto os Democratas tinham e têm meia dúzia de erradas sobre os mesmos assuntos.

A tarefa dos trumpistas (como me chamam, com finura, alguns amigos) sempre foi dificultada pelo Donald, cujas eructações no Twitter tendiam, volta e meia, a ser embaraçosas, e pelos seus discursos de improviso, confrangedores, a sua retórica de vendedor de automóveis, que não era, e a sua prodigiosa grosseria de novo-rico, que também não.

Perdeu as eleições. Não é verosímil que, dada a diferença de votos, as chapeladas (que houve, e agravadas pela quantidade de votos não presenciais e uma multiplicidade de sistemas de contagem), e não obstante inúmeras decisões judiciais que não se basearam em recontagens, o resultado pudesse ser diferente.

Nunca é suficientemente dito que o papel dos vencidos é essencial em democracia: porque sem eles não haveria vencedores e porque os vencidos de hoje podem ser, se conservarem o seu pecúlio e souberem aumentá-lo, os vencedores de amanhã.

O saldo do seu mandato é francamente positivo. Não elenco aqui os sucessos: já o fiz noutra maré e, de todo o modo, como todos os mandatos são feitos de sucessos e falhanços, acertos e erros, nunca poderia convencer senão convencidos. O previsível regresso às agendas mundialistas, como o Acordo de Paris, as pazes com a ONU e as suas agências, e a política externa titubeante, em que ditadores mal vistos pela comunicação social, como Putin ou Jong-un, são hostilizados, enquanto outros mais perigosos como Jinping ou os mullahs iranianos, são relativamente poupados, estão de regresso.

Trump poderia guardar o seu capital (teve a segunda maior votação de sempre), e administrá-lo, talvez não para si porque já está velho para novas aventuras, mas para promover outro futuro candidato.

Não fez assim. Na sua estreita cabeça quem perde é um loser, e conceder senão à 25ª hora uma atitude de fracos. A pressa em executar condenados federais nem para apoiantes da pena de morte, como é a maioria dos Americanos, pode ter deixado de parecer aquilo que é: uma vingança raivosa por a sua liderança, cruel e primitiva em matérias penais, estar em risco. E a invasão do Capitólio por uma turba alucinada, que provocou com tweets incendiários e não susteve logo que se desencadeou, deixa uma mancha indelével no seu mandato.

Talvez no meio daquela multidão houvesse provocadores do ANTIFA; não se percebe como as forças policiais no local não reagiram; e, politizadas e abaladas como estão as instituições, não é certo que as investigações venham a apurar o que exactamente se passou. Mas a ideia de que invadir o Capitólio não é diferente das  manifestações da esquerda americana, que destruíram ruas e inúmeros negócios e outros bens, e que contaram com a complacência de uma comunicação social pela maior parte democrata, isto é, de esquerda, é desvalorizar o simbolismo de atacar impunemente a casa da democracia: se nesta uma sessão para apurar o resultado das eleições pode ser suspensa por um motim apalhaçado, a mensagem a retirar é a de que a polícia é uma anedota, os senadores uns cabeças de turco, os tribunais de faz de conta e o Poder o da rua. E até o grotesco ditador da Venezuela se permitiu vir, com um comunicado, traduzir a sua barrigada de riso.  

No início do seu mandato escrevi um artigo em que previa que correria bem. Era o tempo em que se se anunciava a III Guerra Mundial e as sete pragas do Egipto que se abateriam sobre o mundo e a América.

Correu bem. E acabou mal. Donald Trump não soube estar à altura da sua obra.

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