O dia mais longo do ano
Imagem do único debate entre Donald Trump e Kamala Harris, em Filadélfia a 10 de Setembro
Nestes dias os canais televisivos foram sendo invadidos por tudólogos que a cada quatro anos se transformam em especialistas da vida interna dos EUA. Alguns saltitam do futebol para a geoestratégia mundial, passando por voos rasantes à política doméstica. Fazem aquilo que é possível esperar de um tudólogo: espreitam as tendências dominantes do eleitorado hoje disponíveis em pesquisas rápidas nos motores de busca. Com tanta ânsia de aparecer, acabam por empurrar os verdadeiros especialistas para horários impróprios, remetendo-os ao último lugar da fila. Quem perde com isso são os canais que lhes dão guarida.
Hoje é a data do escrutínio oficial na corrida à Casa Branca. Mas a eleição decorre há semanas: cerca de 78 milhões de americanos, incluindo o ainda presidente Joe Biden e a candidata democrata, Kamala Harris, optaram pelo voto antecipado. Nas semanas precedentes, esses pára-quedistas da pantalha andaram a picar sondagens, pulando desta para aquela sob o invariável signo do "empate técnico". Com as atenções centradas nos sete estados flutuantes ou oscilantes, logo crismados de swing states em "amaricano" com sotaque tuga.
Entquanto debitavam banalidades, os tudólogos mal repararam em dois aspectos cruciais na letra pequenina das pesquisas de opinião. O primeiro relaciona-se com o índice de rejeição de cada candidato: nas eleições actuais, grande parte de quem vota mobiliza-se mais contra aquilo que não quer do que a favor de alguma pessoa ou sigla. O segundo é a crescente clivagem sexual nas opções de voto: mulheres e homens tendem a dividir-se cada vez mais. Acima das diferenças raciais ou de classe social.
Tudo isto é ignorado pelo tais especialistas em coisa nenhuma que pululam nas pantalhas, embora seja realçado por quem verdadeiramente percebe da dinâmica eleitoral nos EUA, reflexo da própria mobilidade social no país. Fica como pista de reflexão neste dia mais longo do ano, em que as atenções mundiais estão viradas para aquele que ainda é o Estado mais poderoso do planeta.
Dia tão longo que pode arrastar-se por semanas ou meses. Já faltou mais para sabermos.