O Determismo Reducionista
jpt, 07.07.24
Através das "redes sociais" (pérfido instrumentos de alienação, como adiante se verá) dois amigos enviam-me declarações de teor político emanadas agora por três romancistas. Um enviou-me o texto no "El País" com breve entrevista de Michel Houellebecq sobre as eleições francesas de hoje, na qual ele - enquanto, até distraidamente, deixa cair o seu sentido de voto avesso ao pacote lepenista - se declara "pessimista e resignado" e avança, ainda que num registo conversacional algo superficial, algumas causas sociológicas para a complexa deriva francesa.
Outra amiga, cruel, enviou-me o "Expresso", em óbvio convite para que eu lesse os artigos de Miguel Sousa Tavares e Clara Ferreira Alves, que há décadas acompanham os nichos de classe média leitora do semanário. São duas, longas (estes colunistas têm direito a página inteira), bojardas, ignaras, nisto até indignas. Pouco francesas, dir-se-ia se comparando com o exemplo anterior. Aquilo a que décadas atrás, quando se discutia o efeito do marxismo, se chamava "determinismo", "reducionismo economicista (tecnológico)". Os dois "fazedores de opiniões" dos licenciados lusos de meia-idade e seniores, abordam as eleições mundiais actuais, atribuindo a viragem "à direita" à perniciosa e malévola influência das redes sociais, à instrumentalização executada pelos seus magnatas. CFA centra-se no debate presidencial americano e vê o evidente colapso democrata como causado pelos tais magnatas - nem um caractere sobre as características do plutocrata sistema político americano, sobre a sua socioeconomia, sobre a degenerescência do partido democrata, sobre a sua incapacidade de gerar em XXI candidatos e ideários. Pois a "culpa" é das redes sociais.
MST insurge-se contra este generalizado "Triunfo dos ressabiados". Diante deste seu título logo me lembro de quando há uma década voltei ao país e encontrei esta constante utilização por parte dos socialistas e seus compagnons de route. Todos nós, que vozeávamos contra o miserável socratismo e a cáfila dos seus apoiantes, éramos ditos "ressentidos" e "ressabiados" - um antigo meu colega e, depois, chefe, teve até a descarada lata de cortar relações comigo, por razões "políticas", usando esses termos. Ou seja, todos os que nos opunhamos a este lamaçal antidesenvolvimentista sofreríamos de doenças de foro psicológico, por causas psicóticas (o "ressentimento") ou orgânicas (o "ressaibo"). Era - e essa escumalha socratista, estadodependente, nem o percebia - a tradução lusa, nos nossos propalados "brandos costumes", da velha prática soviética: os "dissidentes" eram doentes psíquicos e deviam ser internados em hospícios.
E MST vem agora preencher mais uma das suas páginas de "Expresso" com estes disparates, tão queridos dos tais leitores "classe-média". Aborda um feixe de eleições recentes (e manipula tanto que foge a referir as últimas eleições britânicas que não lhe dariam jeito ao ditirambo), funda os seus resultados no "algoritmo" das redes sociais, atribui a "viragem à direita" à ignorância dos povos, dos jovens e, claro, ... à ultrapassagem da mediação dos jornalistas. Ou seja, antes é que era bom, reinava a "iluminação" global.
Entretanto os imbecis, licenciados, continuam a comprar esta tralha "Expresso". E, pior, a ler estes "intelectuais" da treta. E consomem os produtos que publicitam no douto semanário.
E nós outros, "ressentidos" e "ressabiados", chafurdamos, orgásticos, sob o Algoritmo.