O Demónio e Mr. Prim
Quase todos os meses de Abril, de há alguns anos a esta parte, saímos para recarregar baterias, coisa que toda a gente que trabalha muito, tem gatos, filhos e netos, deveria fazer para manter a sanidade mental. Desligar... não totalmente... só um bocadinho, mas desligar sim, e recuperar a vida a dois, nem que seja por apenas três ou quatro dias.
Há três anos, calhou escolhermos a República Checa. Calhou também decidirmos fazer uma caminhada de cerca de 30 km pelo Bohemian Saxon Switzerland National Park.
Partimos de Lisboa com tudo organizado ao pormenor e fomos informados na véspera do passeio que Mr. Prim, o melhor guia para aquele tour em particular, nos iria buscar ao hotel às 8:00h.
Fantástico! Estávamos realmente expectantes.
Aconteceu como previsto. Durante a viagem de automóvel demo-nos a conhecer e ficámos a conhecer Mr. Prim na medida do possível.
Escusado será dizer que a meio do caminho para Pravčická Brána tive que fazer uma pausa para me reunir com as minhas pernas, que tinham entretanto resolvido entrar em greve devido a exigências não regulamentadas na ACT.
Após as promessas da praxe, chegámos a acordo, para o que muito contribuiu a chegada ao Falcons Nest, com descanso e um bom almoço a acompanhar.
Como não podia deixar de ser, convidámos Mr. Prim para nos fazer companhia.
A meio da refeição, dei a volta à conversa e em vez de fazer as habituais perguntas sobre a República Checa, resolvi perguntar o que sabia Mr. Prim sobre Portugal.
Mr. Prim, que já tinha estado em Lisboa há cerca de cinco anos, não gostou. A cidade era feia, suja e sentia sinceramente pelos portugueses, porque viviam em condições de extrema pobreza…
É certo que as notícias sobre o País não têm sido fabulosas, mas seguramente Portugal tem uma qualidade de vida superior à da República Checa, retorqui. Sorriu condescendente e respondeu que lá (na Rep. Checa) não viviam em casas de madeira sem saneamento básico (!!).
Não pude deixar de rir, mas rir mesmo. Onde, pelo amor da santa, terá o Mr. Prim ficado hospedado e por que caminhos terá andado para se deparar com aquela dantesca realidade?
Não consegui saber muitos pormenores. Acredito que a visita de Mr. Prim fosse coisa tipo relâmpago, pois pouco ou nada sabia de Lisboa, para além da anunciada pobreza e más condições sanitárias. Que o hotel não ficava longe do rio e passava pelas tais "barracas" para chegar à margem.
Quem me conhece minimamente sabe que quando acredito que tenho razão não me calo, e o pobre Mr. Prim passou mais de 10km, até às Edmund Gorges, a ouvir sobre a minha terra e a história das pseudo-casas de madeira.
Castigou-me com a descida mais íngreme e escorregadia da minha vida, mas apesar de ter uma preparação física a anos-luz da nossa, garanto que acabou mais cansado, tal não foi a injecção sobre Lisboa que lhe ministrei.
Mas por muito que tentasse, foi impossível contornar aquela impressão negativa de uma cidade salobra e escura que Mr. Prim tinha gravada nos recônditos do seu disco rígido.
O meu passeio ao Parque foi estupendo. Aconselho vivamente.
Lamento apenas que o nosso País, tão bonito, tão brilhante, N vezes ao quadrado mais simpático do que a República Checa, seja tão erroneamente interpretado.
Estes turistas que nos chegam, em Fam Trips, vêm tantas vezes "comprar" o destino para o poder incluir nos seus pacotes de tours.
Chegados cá, a que demónio será entregue a organização da sua estadia? Não acredito que o Turismo de Lisboa, que normalmente dá a conhecer a nossa capital com tanta clareza e desvelo, tenha transformado mais uma oportunidade de "vender" Lisboa num passeio à timberland...