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Delito de Opinião

O delírio

Luís Naves, 17.07.18

Não me recordo de ter assistido a algo minimamente semelhante ao que vi ontem, a reacção histérica à cimeira de Helsínquia entre os presidentes americano e russo. Donald Trump foi acusado de imbecilidade, fraqueza e até de traição, por se ter encontrado com o líder da outra grande potência nuclear, por não ter falado grosso com o presidente Putin, ou melhor, por não ter batido com a porta nem ameaçado bombardear Moscovo. A política interna americana e a aproximação das eleições de Novembro não justifica o tsunami de textos ou comentários mordazes, violentos ou grotescamente exagerados, do género que ninguém se atreveu a escrever nos piores dias da Guerra Fria. Na época em que ainda existia comunismo e rivalidade ideológica, a então URSS interferiu em todas as eleições democráticas que se realizaram no Ocidente (acho que podemos dizer em todo o mundo). A interferência em eleições é algo normal para serviços secretos que tenham um mínimo de eficácia. Em qualquer votação, aliás, há sempre interferências de interesses económicos, de organizações não-governamentais, de grupos religiosos e potências estrangeiras mais ou menos discretas. Houve interferência russa nas eleições americanas de 2016? Claro, mas justifica-se uma nova Guerra Fria? Isto devia ser mais ou menos compreensível para quem esteja de fora a observar um episódio de política interna americana que ameaça transformar-se num veneno capaz de impedir durante anos as normais relações entre Rússia e EUA. Num desenvolvimento preocupante, isto pode até colocar a relação russo-americana no patamar da impossibilidade. Putin, que não é mais do que um autocrata pós-comunista, está a ser tratado abaixo de «tirano» pelos inimigos internos de Trump. Neste delírio, se os dois presidentes não podem falar, então também não haverá solução para os pontos de tensão potencial: Ucrânia, Báltico, Síria. É como se as elites americanas, no seu desespero vingativo, preferissem arriscar uma guerra nuclear, desde que isso lhes permita tirar Trump da Casa Branca. Que a coisa tenha aplausos em Portugal é ainda mais estranho.

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