O crime
Acossado pelas sanções internacionais, líder crepuscular de um velha potência em declínio, humilhado pelo mais repugnante dos seus barões da guerra, Vladimir Putin reage com a pulsão dos autocratas. Entrincheirado, dissociado da realidade, numa Rússia que ameaça fragmentar-se em estilhaços repetindo o humilhante fim do Império Austro-Húngaro após a declaração de guerra à Sérvia em 1914. Com uma demografia devastada pela fuga maciça de jovens (mais de um milhão terão abandonado o país neste último ano e meio) e pelo morticínio na Ucrânia, num país onde a esperança de vida à nascença é de apenas 67 anos para os homens, o ditador do Kremlin vive numa realidade paralela. Acreditando só nas suas efabulações, numa réplica do Hitler confinado ao búnquer de Berlim naquele agonizante Inverno de 1945, resta-lhe mandar matar. Seja quem for, não importa quando, não importa onde. Já o fez com opositores políticos, jornalistas, antigos rivais que deixaram de prestar-lhe vassalagem.
Pela enésima vez desde que decidiu anexar a nação vizinha, no seu delirante projecto de reconstituir o defunto império soviético, o antigo agente do KGB deu ordem para abater civis inocentes. Por terem cometido este pecado: estavam numa pizaria muito frequentada, à hora da refeição. Ontem foram onze, na cidade de Kramatorsk, no Leste da Ucrânia - incluindo três adolescentes. Registaram-se mais de 60 feridos, vários dos quais em estado grave. Atingidos por um míssil russo.
Outro míssil de Putin. Outro crime de Putin.
Entre as vítimas, encontravam-se as irmãs gémeas Anna e Iulia Aksenchenko - que fariam 15 anos em Setembro. Já não festejarão o aniversário.
Mais dois nomes inscritos num extenso memorial de mártires. Mais nódoas de sangue no vasto cadastro de crimes da Federação Russa.