O criador da Geringonça
É usualmente reconhecido que foi Vasco Pulido Valente o criador do termo Geringonça, num texto que escreveu, para designar a aliança de forças derrotadas que em 2015 formaram governo em cenário pós-eleitoral. Paulo Portas, com a rapidez de raciocínio que sempre o caracterizou, apropriou-se rapidamente do vocábulo, mal o viu impresso, e contribuiu para a sua divulgação. A tal ponto que até alguns dos visados o adoptaram também.
Pulido Valente, como sabemos, tinha um talento inato para cunhar expressões que logo se integraram no vocabulário comum. Recordo duas, sem qualquer esforço de memória: "picareta falante" e "o mundo está perigoso".
No caso da Geringonça, porém, parece-me que ele se revelou apenas um excelente leitor de José Rodrigues Miguéis. Leio na página 285 d'O Milagre Segundo Salomé, a obra-prima deste grande escritor: «O problema é essencialmente económico, mas tudo depende da fórmula política. Se não for dentro da geringonça parlamentar, há que ir buscá-la fora dela.»
Rodrigues Miguéis era um visionário. Publicou o romance em 1975 - quarenta anos antes da verdadeira "geringonça parlamentar" conhecer a luz do dia. Os grandes escritores são mesmo assim, capazes de vislumbrarem além do seu tempo.