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Delito de Opinião

O comentário da semana

Pedro Correia, 02.04.17

«No tempo em que a rádio imperava e em que a TV tinha apenas um canal com programas criteriosamente escolhidos, ver fotos dos meninos do Biafra nos jornais liquidificava qualquer alma, por muito empedernida que fosse. O sexo era tabu e até as anedotas mais "picantes" tinham que ser subentendidas. Fora da santidade do lar não se discutia a família, tampouco a religião. Íamos ao cinema, ao teatro, fazíamos piqueniques na praia e no campo, passeava-se de norte a sul, Europa adentro, a cantar... Ler era um escape fantástico, mas apenas nos alheava da realidade. Tenho saudades de mim e da simplicidade em que ser feliz se traduzia.


Em menos de 30 anos fomos do 8 ao 80. Tirámos as ligaduras que nos cegavam de uma só vez e deixámo-nos afogar num mar de luz. A novidade. A novidade pode ser tóxica, mas que raio, é novidade ... e tornámo-nos sedentos de tudo quanto era inovação, de tudo quanto era mecânico, de tudo quanto era eléctrico, electrónico, com fios, sem fios, pequeno, grande, à distância, basta um clique.
As sociedades evoluídas deixaram de ser gregárias. Quantos não moram num prédio de 20 andares sem conhecerem sequer o nome dos rostos que com eles se cruzam nos elevadores e a quem dão o educado bom dia da praxe.


A tecnologia robotizou-nos. Fez-nos alheados e indiferentes, não pela falta de informação, mas pelo excesso da mesma. E seria necessário ser eremita para a radiação dos media não nos atingir directa ou colateralmente.
As influências de falsa pureza proliferam com a falta de propósito. E procriam como hidras numa incubadora de falsos ideais.
Já não estamos oprimidos e condicionados, mas escolhemos ser condicionados e oprimidos.»

 

Da nossa leitora Maria Dulce Fernandes. A propósito deste meu texto.

2 comentários

  • Passeava-se mesmo a cantar. Nós lá em casa não eramos aparentemente felizes, a alegria era genuína, apesar das dificuldades. E é essa autenticidade que puxa tantas vezes os fios da nostalgia...
    Ultrapassámos tantas barreiras, algumas físicas, outras psicológicas e transcendemos espantosamente os nossos condicionamentos.
    Mas como disse, passámos do 8 ao 80 e recondicionámo-nos à inovação tecnológica. Quem é que está para subir meia dúzia de degraus, com dois elevadores como alternativa ?
    O Antigamente nunca foi melhor. O Antigamente foi sem dúvida diferente.
    Talvez por haver tantas condicionantes, tabus e dificuldades, tenhamos desenvolvido defesas excepcionalmente resistentes que agora , na época do facilitismo, se encontram quase erradicadas e sem anticorpos para imunizar as novas gerações.

    Obrigada Cristina.
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