O comentário da semana
«Na qualidade de pessoa que tirou a carta depois dos 30 anos, trabalha e (desde que tem voto na matéria) vive no centro de Lisboa, tem passe desde os anos 80, e faz 90% das suas deslocações urbanas a pé ou transportes públicos (incluindo, claro, táxi, porque depois das 21h30 demoro mais tempo entre o Rossio e as Amoreiras de transportes do que a pé), e nunca foi ao grande Porto de automóvel, estou de acordo consigo em tudo. E, ao mesmo tempo, estou de acordo consigo em nada. A Holanda, país rico e ordenado (até os alemães gozam com a ordem na Holanda), cuja maior "montanha" é da altura de Monsanto (não a aldeia beirã, mas o monte à saída de Lisboa), não é comparável em nada com Portugal.
Não é por gosto que as pessoas gastam duas ou três horas por dia no trânsito, e, as que usam transportes urbanos (como eu) empatam meses ou anos de salário num objecto que só usam ao fim-de-semana e em férias. O facto é que os transportes públicos em Portugal (como quase tudo o que é público, em Portugal) são ineficientes, excepto para as pessoas que lá trabalham. Na Holanda o pessoal dos comboios ocupa a primeira classe e vai para lá discutir diuturnidades e subsídios de flatulência? Na Holanda os trabalhadores do metro ganham em média o triplo dos passageiros? Na Holanda os trabalhadores do metro recebem complementos vitalícios para manter a reforma igual ao salário dos colegas no activo? Na Holanda há seis greves de transportes por ano?
Com estas condicionantes, com os custos de pessoal inacreditáveis que têm as empresas públicas de transportes, temos de perceber e aceitar que, ao fim-de-semana, haja metros de 16 em 16 minutos, que, depois das 22h00 é normal estar 20 minutos no Marquês à espera de um autocarro para as Amoreiras, ou meia-hora em Santa Apolónia à espera de um comboio que pare em Moscavide, que, salvo para “o Barbas”, seja impossível ir às praias da Costa sem levar um carro, que, tirando para Faro, ir ao Algarve de comboio é como ir à Índia, e que qualquer emigrante tem de trazer carro (ou vir de navette) para chegar à sua aldeia beirã ou transmontana.
Em suma: é a favor da privatização de todos os transportes públicos? É a favor da automatização da rede do metro, como em Barcelona? É que enquanto os transportes públicos de Lisboa e a CP estiverem ao serviço da CGTP, não será possível “acabar a ditadura do automóvel” - enfim, só se for falindo (outra vez) o erário público ou pondo tudo a andar de bicicleta, na nossa cidade das (muito mais do que) sete colinas, e não só os lunáticos que andam por aí em sentido contrário e com fones nas orelhas, e para quem (supostamente) se edificam longas pistas rosas que só servem para carrinhos de bebé, runners, senhoras com joanetes e amigos da construção civil com pouco trabalho.»
Do nosso leitor JPT. A propósito deste texto do Tiago Mota Saraiva.