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Delito de Opinião

O comentário da semana

Pedro Correia, 13.04.14

«Quanto à nossa terrível indisciplina laboral, eu tenho a minha experiência, e se calhar não vale grande coisa pois conheço apenas o meio dos call-centers, mas no meu local de trabalho temos de estar todos logados às consolas à hora exacta, prontos para atender chamadas, até porque existe um programa que contabiliza o número de minutos que estivemos logados durante o dia, e se nos atrasarmos por meros segundos, eles são descontados no salário.
Também não podemos pôr a consola no descanso quando queremos, porque existe outro programa, gerido por um supervisor, que indica quando alguém está no descanso. É claro que às vezes há motivos válidos, mas se essa pessoa se esticar, o supervisor vai logo perguntar porque não está a atender chamadas.
Quanto às pausas, temos duas, de 15 minutos cada, para quem faz 8 horas. E ninguém sai da sala quando lhe apetece. Os tempos são geridos e o número de pessoas em pausa também, porque não se pode ter metade dos comunicadores a beber café enquanto há chamadas em espera. Às vezes são tantas que apenas pode ir uma pessoa a pausa de cada vez, o que torna a conversa junto ao bebedouro num solilóquio.


Quanto a perder tempo na internet e Facebook, todos os computadores têm um programa (já vamos em três) que bloqueia o acesso aos mesmos. Até as portas usb estão bloqueadas, pelo que ninguém pode passar, por exemplo, um vídeo ou música para o computador para se entreter nas horas em que a supervisão baixa a guarda. E apesar de trabalhar no apoio a um serviço de televisão, o televisor da sala nunca está a passar filmes ou programas, nem sequer o noticiário. Está, isso sim, a mostrar o número de chamadas em espera, o número de chamadas em curso, o número de comunicadores em descanso e por aí fora. Só pontualmente podemos aceder a canais, por motivos de despistes técnicos.
A única benesse, se é que pode ser considerada tal coisa, é que assim que a hora de saída chega, paramos e vamos embora. Como começamos a trabalhar na hora exacta, também fazemos questão de não dar mais tempo da nossa vida à empresa. Nem sempre é possível, é claro, se a chamada for longa, mas há manhas para gerir o tempo de uma para que ela termine mesmo em cima da hora de saída de forma a não nos cair outra em cima.
Raramente nos pedem para ficarmos mais tempo, salvo quando alguém lixa um servidor numa parte do país ou uma actualização do sistema informático deixa os técnicos às aranhas, então lá vamos nós apagar fogos, com 50 chamadas em espera. É claro que nos pagam horas extraordinárias por isso, a miséria que são; mas também não nos podemos recusar pois no mês seguinte poderíamos ser despedidos por sermos 'difíceis' ou 'pouco produtivos': a beleza dos contratos precários mensalmente renováveis. Mas, como disse, é raro fazermos horas a mais.


Alongo-me em detalhes apenas para poder concluir com o seguinte: gostava de saber que empresas são essas onde se pode entrar à hora que se quer, às três pancadas, como se fossem donos do sítio; ondem podem fazer pausas longas sem que um superior os chame à atenção, como se trabalhassem sem qualquer supervisão; onde podem 'escolher' trabalhar mais tarde, como se isso não dependesse do chefe concordar ou não; onde tal comportamento não produzisse, ao fim de um ou dois meses, uma carta da ETT a informar o trabalhador de que iam dispensar os seus serviços. Realmente, gostava de saber que empresas são essas onde os trabalhadores pelos vistos estão na mó de cima, fazem dos chefes gato sapato e andam pelos escritórios como se fossem barões que vão lá fazer um favorzinho. Gostava de saber onde fica esse mundo, pois não é o que eu e os à minha volta, entre os 20 e os 30 anos e noutras empresas, conhecemos, onde tudo é gerido metricamente e anda-se na linha porque há sempre formações a admitir pessoal novo e qualquer um pode ir para a rua na próxima fornada de 'dispensados'.»


Gostava de conhecer esse paraíso laboral e arranjar lá emprego.»

 

Do nosso leitor Miguel. A propósito deste texto do João André.

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